Seminário Depois do Futuro – Museu de Arte do Rio – 12 e 13 de Maio

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Seminário “Depois do Futuro: Ruínas e Reinvenções da Modernidade nas Artes Contemporâneas”

O evento reúne professores de distintas universidades do Rio de Janeiro, com atuações dentro e fora da academia, para refletir como as artes contemporâneas e as teorias culturais e estéticas que lhe cercam examinam a noção de futuro hoje. Longe se pretender um exercício de futurologia o seminário traz olhares sobre o presente e especula possibilidades de vida e arte em mundo em que dá sinais de colpaso
ecológico, político e social.

Local: MAR – Museu de Arte do Rio/ Escola do Olhar
Dias 12 e 13 de Maio de 2015
Horário: 10h-16h
Entrada Gratuita.
Lotação: 60 pessoas

Programação

12/05
10h Abertura РDaniela Labra Рapresenta̤̣o do projeto de pesquisa
“Depois do Futuro: Ruínas e reinvenções da modernidade nas
artes contemporâneas”.
10:20 Kátia Maciel (UFRJ)
11:00 Alessandra Vannucci (UFRJ/PUC-Rio)
11:40 Considerações finais da manhã
12-14h Intervalo
14:00 Paula Sibilia (UFF)
14:40 Ieda Tucherman (UFRJ)
15:30 Considerações finais
16:00 Encerramento do dia

13/05
10h Abertura – Daniela Labra
10:20 Frederico Coelho (PUC-Rio)
11:00 Guilherme Vergara (UFF)
11:40 Considerações finais da manhã
12-14h Intervalo
14:00 Marisa Flórido (UERJ)
14:40 Guto Nóbrega (UFRJ)
15:30 Considerações finais
16:00 Encerramento

O seminário se realiza dentro do marco da pesquisa pós-doutoral de mesmo título desenvolvida junto ao PPGCOM/UFRJ e o Núcleo N-Imagem,com o apoio da CAPES/Cnpq.

Rodrigo Braga, “Tombo”

Exposição "Tombo", de Rodrigo Braga na Casa França-Brasil
Exposição “Tombo”, de Rodrigo Braga na Casa França-Brasil

A Casa França-Brasil apresenta “Tombo”, primeira exposição individual na cidade de Rodrigo Braga, artista nascido no Pará, criado em pernambuco e residente no Rio há 4 anos. Destaque de uma geração que surgiu na cena de arte contemporânea há cerca de uma década, Braga chamou a atenção em 2004 com a série Fantasia de Compensação, a qual consistia na sequência de imagens de seu rosto recebendo, em uma sala de cirurgia, implantes de secções da face de um cão rottweiler. De aspecto realista, as fotografias exploravam o potencial de ficção da imagem digital manipulada, e permitia ao artista simbolicamente dotar-se da ferocidade e força do animal. Tendo como assunto o enfrentamento do homem com a sua própria animalidade, a natureza e a cultura, Rodrigo Braga desde então exibe projetos que evocam com frequência imagens fantásticas e viscerais, resultantes de vivências em situações-limite que ele mesmo forja. No seu trabalho, a morte e o inescapável retorno do corpo orgânico à terra é recorrente, enquanto um ar solene parece conter a tragédia e dar um ar dramático às suas fotografias e vídeos.

Em “Tombo”, Braga mostra suas questões desdobradas de modo maduro, mantendo o tom solene mas aliviando a carga visceral. A individual, muito bem construída com a curadora Thaís Rivitti, dispensa elementos demais e incorpora objetos de distintas naturezas para criar uma narrativa menos ficcional do que parece. Troncos de palmeiras no chão, fotografias de arquivo, pranchas de botânica, croquis de arquitetura, uma videoinstalação: “Tombo” pode ser lida como um romance ancorado em fatos reais, que gira em torno do simbolismo evocado pela palmeira imperial no Brasil e em especial no Rio de Janeiro. Aqui foi plantada, por D. João VI, no Jardim Botânico, a primeira semente da árvore, trazida das Ilhas Maurício. O momento marcava a modernização da nação e a criação das primeiras instituições como a Biblioteca e a Praça do Comércio, hoje a Casa França-Brasil.

O visitante é recebido na entrada por mais de 15 toras de palmeiras centenárias que jazem no chão, como vestígios de um tempo antigo e testemunhas das transformações da cidade. Compreendidos como ruínas, os troncos têm uma cumplicidade temporal com as 24 colunas do edifício de 1820, projetado por Grandjean de Montigny. De certo modo “Tombo” traz o tom distanciado e o tempo estancado dos museus históricos, quebrado, porém, pelo video com imagens de corte de palmeiras sem vida, no Rio. A sonorização do trabalho vale uns minutos de escuta atenta.

Tombo, que significa queda e também tombamento, proteção de patrimônio, leva a uma reflexão do constante movimento de construir e demolir a memória das cidades que existe aqui. Não por acaso há referências ao prédio da Imperial Academia de Belas Artes, projetado por Montigny em 1826 e demolido em 1937 para dar lugar a um terreno hoje usado como estacionamento. Embora Rodrigo Braga não toque só neste assunto, a mostra ilustra, melancólica, o soterramento da história pelo anseio de se construir uma nova História, aquela prescrita no futuro moderno, numa utopia de progresso hoje estagnada no presente. Ao buscar o novo, deixa-se tombar, cair o velho. Mas será inevitável demolir o passado para se investir no novo? Perguntemos às palmeiras.

Publicado em O Globo, Segundo Caderno, Abril de 2015.

“Made in Brasil” na Casa Daros, RJ

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Antonio Dias, Jogo da Náusea. 1964, Foto Peter Schalchli

Made in Brasil, em inglês mesmo, é o título da exposição em cartaz na Casa Daros em Botafogo, com curadoria de Hans-Michael Herzog e Katrin Steffen – curadores-chefe da coleção Daros de arte latinoamericana cuja sede fica na Suíça e hoje tem no Rio de Janeiro o seu espaço de exposições. A coletiva reúne cerca de 60 obras pertencentes a esta coleção privada, criadas por sete “medalhões” da arte brasileira: Antonio Dias, Cildo Meireles, Ernesto Neto, José Damasceno, Miguel Rio Branco, Milton Machado, Vik Muniz e Waltercio Caldas. Esta é a primeira exposição dedicada unicamente a obras de arte brasileira do acervo e marca a comemoração de dois anos de abertura da instituição.

O preâmbulo da mostra, na sala de visitação gratuita antes da bilheteria, traz uma família de “Humanóides” de Ernesto Neto: esculturas macias e pesadas de tule, lycra, bolinhas de isopor e especiarias para serem vestidas. Esse início lúdico também lança de imediato uma das características mais clichê da arte brasileira contemporânea no meio internacional, que vem a ser a sensorialidade e a organicidade da forma. Isso não chega a ser um problema, mas é curioso que em uma mostra com nome em inglês, curada por estrangeiros numa instituição de suíços, seja tal trabalho que abra o percurso. Ao mesmo tempo, é compreensível que o espectador seja logo recebido por essas aconchegantes peças como um sinal de boas-vindas.

Após brincarmos nas esculturas de Neto, é uma surpresa adentrar a primeira grande galeria com uma lenta instalação multimídia de Miguel Rio Branco. A sala escura com música suave, sofás e belas projeções de rostos, paisagens áridas e detalhes de natureza fotografados pelo artista desmonta expectativas do que poderia se esperar de uma arte “Made in Brasil” caricata. No geral, a seleção de obras traz algumas peças por demais vistas, como as fotografias “Medusa Marinara” e “Sigmund” de Vik Muniz, de 1997, e outras que, embora conhecidas, merecem ser experienciadas inúmeras vezes. Assim é a instalação “Missão, Missões (como construir catedrais)” de Cildo Meireles, 1987 e alguns livros de artista de Waltercio Caldas como “Giacometti”, 1997 e o hipnótico “Vôo Noturno”, de 1967. Caldas, por sinal, responde por um dos melhores momentos ocupando um espaço generoso com 23 livros que discorrem, de modo peculiar e poético, questões da arte, estética, história e filosofia. Outro destaque são os raros trabalhos de Antonio Dias das décadas de 1960-70 que explicitam a importante contribuição política e conceitual do seu pensamento artístico para a arte brasileira.

Diante de peças notáveis, sendo algumas únicas, é inevitável sentir angústia ao pensarmos que elas pertencem a uma coleção estrangeira. Não fosse a Daros Collection resolver investir no país, talvez esta exposição nunca pudesse ser vista aqui. Após a aquisição de uma das principais compilações de arte concreta brasileira pelo Museu de Fine Arts de Huston em 2007, a sensação de desfalque histórico persiste quando vemos arte brasileira de excelência em posse de coleções internacionais. Contudo, é preciso fazer jus às boas condições em que vivem estas obras e reconhecer que aqui elas dificilmente teriam o mesmo tratamento digno em reservas técnicas públicas.

Para os curadores de “Made in Brasil”, as qualidades individuais dos artistas são muito singulares e não resultam em uma visão geral homogênea: “eles têm um perfil variado, e representam o gigantesco cenário da potência artística brasileira dos anos recentes”. Porém, o título é dúbio e pode ser interpretado ao contrário, como a redução da arte de diferentes artistas em um mesmo rótulo de identidade nacional. A curadoria consegue ser melhor que isso, e o título nacionalista afinal nada mais parece do que um apelo da Casa Daros para valorizar seu produto e atrair público. Ainda assim, ausência de mulheres com boas obras na coleção é uma falta importante, tal como a mineira Waleska Soares, que ainda não expôs na instituição. O problema está para além de uma discussão politicamente correta sobre gênero, pois diz respeito ao modo como se legitima o que é “Made in Brasil”, excluindo a produção delas. Portanto, esta exposição, com obras valiosas para a nossa historiografia da arte recente deve ser apreciada mais como uma coletiva com alguns meninos do Brasil do que um recorte amplo e problematizado sobre a “cara” da arte contemporânea brasileira.

Cildo Meireles, "Missão/Missões - Como construir catedrais" , 1987. foto Zoe Tempest
Cildo Meireles, “Missão/Missões – Como construir catedrais” , 1987. foto Zoe Tempest

Mostra de Osmar Dillon no Rio de Janeiro

Osmar Dillo, Déc. 1970. Foto: Pat Kilgore
“Eu Tu”. Déc. 1970.  Foto: Pat Kilgore

O Centro de Artes Hélio Oiticica, na Praça Toradentes, Centro do Rio de Janeiro, apresenta uma singela exposição do arquiteto, artista e poeta Osmar Dillon (Belém, 1930- RJ, 2013) cuja obra integrava poesia e pintura resultando em trabalhos categorizados como livros-poemas e não-objetos verbais. Vivendo no Rio na época da eclosão do Neoconcretismo, participou das Exposições de Arte Neoconcreta de 1960 e 1961, fundamentais para os posteriores desenvolvimentos artísticos brasileiros. Embora tenha se ligado ao movimento e estado presente nestes eventos Osmar Dillon, que parece ter sido um homem discreto, não alcançou a mesma notoriedade dos colegas Lygia Clark, Lygia Pape e Hélio Oiticica, ou Ferreira Gullar, cuja obra poética-plástica veio acompanhada de um discurso conceitual sofisticado que gerou a “Teoria do não-objeto” (1960).

Esta exposição procura contribuir no reposicionamento da obra de Dillon na história da arte brasileira do século XX, apoiando-se em uma pesquisa correta e reunindo trabalhos e projetos executados entre 1960-73, sendo alguns praticamente inéditos. Como aponta a curadora Izabela Pucu, as obras reunidas mostram o interesse de Dillon na relação entre palavra e visualidade. A curadoria, construída em parceria com o companheiro de vida do artista, Roberto Feitosa, dá ao conjunto um ar sutilmente amoroso e despojado, evidenciado logo no início do percurso com uma carta de Feitosa sobre/para Dillon, datilografada em papel amarelado e emoldurada. Ali ficamos sabendo que o artista era um homem muito criativo, de bons amigos e reservado, desinteressado em self-marketing e networking – o que explicaria de certo modo a pouca visibilidade que sua obra recebeu nas últimas décadas.

A exposição, que é curta, tem trabalhos formalmente curiosos, agradáveis e bem literais no sentido de se quererem entender como literatura, imagem e desenho. Dillon, formado em arquitetura em 1954, testemunhou o desenvolvimento da arte concreta e do design no Brasil, e tais referências são marcantes no conjunto de não-objetos e livro-poemas selecionados. Fica claro que estas obras tridimensionais feitas em madeira, papel, ferro, espelho ou acrílico, participativas ou não, expressam imagens que se completam pela matéria e sua forma, em uma pesquisa artística consonante com discursos da arte dos anos 1960-70. Bons exemplos são a escultura-poema-objeto Arte e Sopro (1960-1961) e o totem Boca-Eco/Sexo-Ovo (1970). É possível tocar em vários dos trabalhos, com e sem a orientação de um monitor, sendo essencial para a fruição dos livros-poema especialmente.

A mostra termina em uma sala grande com alguns desenhos e uma tela da série Devorantes, de 1969, todos de inspiração surrealistas, que não chegam a despertar grande interesse por aparentarem ser uma amostra muito pequena do que foi uma grande pesquisa do artista. Neste espaço também se encontram os desenhos/projetos da série Estudo para um Monumento Vivencial I, II e III (1961-1970) que dialogam de modo complexo com o horizonte e a arquitetura da recém inaugurada Brasília. Em uma parede, documentos e artigos de jornal ajudam a contar a trajetória de Dillon entre os anos 1960-70, assim como um pouco do cenário da arte de vanguarda do período. Ao lado desses registros, quinze poemas do artista, datilografados em papel amarelado e emoldurados, encerram o percurso de modo tocante. São composições muito simples e ritmadas, que de certa maneira concentram o pensamento que dá corpo aos trabalhos tridimensionais. Finda a visita fica a sensação de que Osmar Dillon ainda tem muito para ser estudado e exibido, sendo este só um primeiro passo, pequeno e importante, para uma revisão mais ampla de sua obra poética.

"Arte e Sopro" (1960-61) Foto: Pat Kilgore
“Arte e Sopro” (1960-61)
Foto: Pat Kilgore

* Publicado em Jornal O Globo, Segundo Caderno, 16/03/2015

Curso Livre EAV Parque Lage em Abril/2015

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O curso aborda a produção de artistas inseridos no circuito da arte global que usam esse espaço para fazerem circular discursos críticos e práticas experimentais distintas. Examinaremos a obra de nomes atuantes no cenário contemporâneo e também as práticas seminais de artistas surgidos na segunda metade do século XX. Alguns artista abordados são: Tania Bruguera, Teresa Margolles, Dorys Salcedo, Santiago Sierra, Rafael França, Gordon Matta-Clark, Allora & Calzadilla, Alfredo Jaar, Bernardette Corporation, ORLAN, Ricardo Basbaum, Renata Lucas, Hector Zamora e outros.

+ info: http://www.eavparquelage.rj.gov.br/modos-de-agir-e-pensar-criticamente-a-arte-contemporanea-4/

Jonathas de Andrade no MAR, Rio de Janeiro

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O Museu do Homem do Nordeste foi criado no Recife em 1979 a partir da junção dos acervos do Museu do Açúcar, do Museu de Antropologia e do Museu de Arte Popular de Permambuco. Sua concepção museológica inspira-se no conceito de museu regional do sociólogo e antropólogo Gilberto Freyre, e seu acervo possui documentos das formas de arquitetura local e objetos que representam as manifestações socio-culturais populares do Nordeste, como a cerâmica, o carnaval e os cultos religiosos sincréticos.

Apropriando-se do nome e da proposta da instituição pernambucana, Jonathas de Andrade, alagoano radicado no Recife, ocupa o primeiro andar do MAR até 22 de março, com uma versão particular, atualizada e política do Museu do Homem do Nordeste. A exposição reúne 18 obras suas e 74 peças da coleção Fundação Joaquim Nabuco (dos acervos do Centro de Estudos da História Brasileira e do Museu do Homem do Nordeste), da Fundação Gilberto Freyre e do Instituto Lula Cardoso Ayres.

O resultado é um conjunto narrativo composto por instalações, vídeos, fotografias, pinturas, objetos e documentos que tensionam estereótipos e ideias pré-concebidas vinculadas à região. O Museu do Homem do Nordeste no MAR possui metodologia de investigação e catalogação de dados própria, que ganha corpo na sala do museu, sendo ela mesma uma proposta museográfica diferente, que informa uma ampla pesquisa sobre contradições e perversidades históricas brasileiras, discutida desde um ponto de vista nordestino, artístico e contemporâneo.

O Museu do Homem do Nordeste é composto por trabalhos com processos longos, tal como Levante, filme que dá visibilidade ao problema dos carroceiros na capital pernambucana: Trabalhadores socialmente invisíveis, que ganham a vida fazendo fretes em carroças de cavalos há décadas, e vêm sendo banidos das vias públicas de Recife pela especulação imobiliária e os veículos motorizados, ficando sem alternativa de sustento. Procurando dar voz à situação, o artista promoveu com os carroceiros a 1a Corrida de Carroças no Centro da Cidade do Recife, um protesto barulhento e celebratório, sob o pretexto de ser o roteiro de Levante. Tal estratégia permitiu a Andrade desenrolar toda a burocracia pública para as devidas autorizações da filmagem e, consequentemente, do protesto.

Enquanto o filme explora esteticamente a ambiguidade típica de obras artísticas que lidam com a realidade, a documentação da Corrida é exposta com notícias da imprensa, declarações e registros do cotidiano dos carroceiros, dando a dimensão desse mundo próximo do qual constrange falar. Quando Jonathas produzia Levante, entre 2012 e 2013, o país viveu as Jornadas de Junho e viu a violenta repressão do Estado. Assim, relatos de acontecimentos dessa época se somam à documentação da Corrida, formando um panorama tenso das recentes convulsões sociais brasileiras.

Os trabalhos da mostra usam táticas de ação distintas. Nos Cartazes do Museu do Homem do Nordeste, o artista publicou anúncios em classificados de um jornal popular do Recife, convocando homens trabalhadores com qualidades como: morenos, mãos fortes, boa índole, entre 30-50 anos, descendentes de escravos, feios ou bonitos, para posarem para arquivo fotográfico. Os interessados deveriam posar do modo como se imaginavam representando a região, e então formariam o catálogo de modelos másculos pouco ortodoxos dos cartazes do Museu. Além destas peças, a obra se completa com seis cadernos de anotações do artista sobre o processo de encontro e realização da foto com o trabalhador, revelando como são compreendidos e reproduzidos estereótipos de masculinidade e erotismo.

O Museu do Homem do Nordeste é um projeto fascinante na sua virulenta discussão cultural, apresentando de modo algo desconfortável crueza material, histórica, e sensualidade bruta. Suas questões atravessam a arte, a casa e a rua, conseguindo ocupar a instituição de forma inteligente e crítica, desconstruindo mitos de um Brasil pós-moderno que finge ignorar a herança escravocrata que ainda paira em 2015.

*Publicado em Jornal O Globo, Segundo Caderno, 6-01-2015

Blog do projeto Travessias

A exposição Travessias – Arte Contemporânea na Maré, em seu terceiro ano de atividades, consolidou-se como um projeto de reflexão e discussão sobre a arte contemporânea e as transformações do espaço urbano na atualidade. Travessias 3 – Arte Contemporânea na Maré fica aberta ao público até o dia 16 de novembro no Galpão Bela Maré, localizado na Favela Nova Holanda, Zona Norte do Rio de Janeiro.

Com organização do artista plástico carioca Daniel Senise, a Travessias 3 reúne trabalhos inéditos e de acervo dos artistas Barrão, Dora Longo Bahia, Sandra Kogut, Mauro Restiffe, Jonathas de Andrade, Cao Guimarães, Luiz Zerbini e dos fotógrafos do Imagens do Povo, programa realizado pelo Observatório de Favelas.“ Partimos do nome do projeto, Travessias, que sugere integração, para convidar artistas cujas obras têm a possibilidade de criar relações com o local onde serão expostas.

Desde sua primeira edição o Travessias vem experimentando e aprimorando metodologias de aproximação e comunicação pelas artes visuais, em formatos de exposições diferentes uns dos outros. A sua proposta é única no panorama da arte do Brasil, sendo um laboratório estético, afetivo e sensorial aberto ao público mais diverso. Travessias acontece em uma zona de exclusão social e extrema violência urbana, e sua meta fundamental é construir olhares sensíveis e saberes múltiplos através de inciativas artísticas contemporâneas.

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Visão geral da exposição com projeção do núcleo de fotógrafos da Maré, Imagens do Povo. Imagem: Eduardo Magalhâes.

http://2014.travessias.org.br/blog/

Geraldo de Barros e a Fotografia

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Registros da pioneira exposição Fotoforma, de Geraldo de Barros, realizada em 1951 no MASP, com expografia de Lina Bo Bardi. Os documentos de época e quase 300 trabalhos do artista concreto são exibidos na mostra “Geraldo Barros e a Fotografia”, atualmente no IMS do Rio de Janeiro.

Ricardo Basbaum/ nbp-etc: escolher linhas de repetição

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A Casa de Cultura Laura Alvim recebe, sob a curadoria de Glória Ferreira, a individual de Ricardo Basbaum, um dos artistas contemporâneos brasileiros mais interessantes em atividade desde os anos 1980. Paulista, mudou-se adolescente para o Rio em 1977. Aqui começa a desenvolver sua obra experimental e multimídia fundamentada em discurso conceitual e crítico, em um percurso bastante independente do mercado de arte sem, contudo, estar a sua margem. Formado em biologia, estudou música e atua também como curador, teórico, educador, escritor, performer, etc. Sua prática interdisciplinar dialoga com artistas e etapas da história da arte no Brasil, como Lygia Clark, Hélio Oiticica e o Neoconcretismo, e se coloca como dispositivo que articula experiência sensorial, sociabilidade e linguagem. Embora seja um nome de destaque na cena artística internacional, sua pesquisa não está voltada para a lógica de produção e comercialização de objetos que, segundo ele, faz do artista um “funcionário do galerista”. Sua prática é comprometida mais com proposições participativas que envolvam o público do que com obras para serem consumidas.

A exposição reúne trabalhos novos ou inéditos no Rio de Janeiro, em um conjunto absolutamente coerente, resultante de processos de pesquisa iniciados no final dos anos 80. Na entrada o visitante se depara com um gradil e deve atravessar uma espécie de portal cujo formato é explorado há quase 20 anos no projeto NBP – Novas Bases para a Personalidade. Versos como: “canções de amor/exercício de memória/ forma específica” recebem o público e o conduzem ao salão que exibe diagramas rizomáticos cuja forma lembra corpos amebóides ocupados por muita vida e informação.

Aparentemente a mostra é hermética, mas o visitante deve relaxar e se dar um tempo para analisar cada diagrama que reúne dados e expressões estruturantes do pensamento e prática de Basbaum: “bioconceitualismo”, “conceitualismo sensorial”, “geleia adversa”, “culto ao hábito bólide” são algumas idéias estampadas nas paredes junto a dados históricos, fonemas, símbolos gráficos. No jardim de inverno com vista para a praia, esculturas-sofás são instaladas com fones que emitem a versão sonora de um outro diagrama onde, entre outras coisas, se lê o termo “suprasensorialsonemas” – o qual sugere uma definição para essa obra imersiva-musical.

A exposição tem uma seleção de vídeos que registram mais de uma década de experiências do projeto-processo “eu-você: coreografias, jogos e exercícios”, onde pessoas com uniformes, divididas nos grupos EU e VOCÊ, realizam ações coletivas coordenadas pelo artista. Alguns vídeos são divertidos, como o registro de uma ação feita em um programa de TV em 2003 no Rio Grande do Sul, e outra realizada em Shangai. Ainda que a experiência na galeria seja tranquila e silenciosa, na noite de abertura os cantores Lucila Tragtenberg e Licio Bruno realizaram experimentos de livre vocalização de textos, transmutando em ato e som a dinâmica de pensamento e trabalho do artista.

Para Ricardo Basbaum a obra de arte está enfraquecida do seu potencial transformador. Por isso sua prática incita a reflexão, a ação e a experiência estética como coisa mental e sensorial ao mesmo tempo, em propostas de difícil definição formal. Esta mostra é parada obrigatória para os que se interessam por pesquisas artísticas não-objetuais e todo o seu universo estético, histórico e intelectual. A obra-pensamento de Basbaum possui uma complexidade que não cabe neste espaço de jornal pois ela é êxtase e exercício artístico não-linear sem obviedades. Quem for à exposição (vi)verá.

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Fotos: Mario Grisollis

*Publicado em O Globo, Segundo Caderno, Outubro de 2014.

Links para apreciar Ricardo Basbaum:
http://bienal.org.br/post.php?i=551
http://www.scielo.br/img/revistas/ars/v6n11/08img02.jpg
http://www.nbp.pro.br/

Centro Municipal de Artes Hélio Oiticica: Sob Nova Direção

Intervenção recuperada de Richard Serra no Hall do CMAHO.
Intervenção recuperada de Richard Serra no Hall do CMAHO. Foto: Gê Vasconcelos

Instalado nas imediações da Praça Tiradentes, Rio de Janeiro, no prédio do século 19 que abrigou o Conservatório de Música e o Conservatório Dramático Brasileiro, o Centro Municipal de Artes Hélio Oiticica há muito não fazia jus ao artista que lhe dá o nome. Inaugurado em 1996, por iniciativa da Prefeitura do Rio e em parceria com o Projeto Hélio Oiticica, responsável pelo espólio do artista, o centro teve até 2002 programação exepcional. Livros foram editados e houve exposições de nomes como Sean Scully, Richard Serra, Amílcar de Castro e Iole de Freitas. Porém, como é comum ocorrer, os projetos da instituição não tiveram continuidade, e ela foi se desmontando. Mudaram os gestores, a diretriz curatorial se perdeu, a livraria e o café fecharam. Em 2009, o convênio com o Projeto Hélio Oiticica encerrou-se, e o acervo de obras que ali ficava foi removido, dando início a uma inacreditável fase de decadência.

Tal como outros equipamentos culturais cariocas – e brasileiros, o CMAHO viveu anos de precariedade, sobrevivendo com exíguas verbas. Destituída de identidade, a instituição perdeu relevância, apresentando exposições ora boas ora medíocres, que ocupavam as galerias como barrigas de aluguel. O declínio impactou tanto o perfil institucional como a estrutura física do local, o que levou à interdição do segundo andar e seu lindo salão.

Contudo, em fevereiro de 2014 a pesquisadora formada em artes visuais pela UFRJ, Izabela Pucu, com experiência na coordenação do Parque Lage, assumiu a direção com um plano de gestão para estabelecer uma nova identidade à institução, profissionalizar sua atuação e valorizar seu patrimônio histórico. Assim, com o apoio da secretaria municipal de cultura, ações de recuperação estrutural e administrativa do CMAHO estão sendo implementadas, e já se observam mudanças: no térreo há uma pequena biblioteca, um café-bistrô, uma sala de estudos e uma intervenção na parede de Richard Serra, de 1997, restaurada após ter sido apagada durante reformas no prédio. No primeiro andar um depósito de entulho virou uma sala de aula equipada e uma segunda obra de Serra, antes escondida sob um teto de gesso, foi revelada.

Em agosto o CMAHO reinaugurou com o projeto Tiradentes Cultural que, em parceria com diversos equipamentos culturais vizinhos, oferecerá no primeiro sábado do mês um circuito de atividades pelo entorno. Atualmente o centro mostra quatro boas exposições do Foto Rio 2014, com obras de Bárbara Wagner, Rogério Reis, Maria Oliveira, Wim De Schamphelaere e Peter lucas/Arquivo Orizon Carneiro Muniz. Para a atual diretora o único modo de mudar o CMAHO era fazer a revolução. Ela já está acontecendo e em nome de Oiticica a cidade agradece.

*Texto publicado em O Globo, 25/08/2014