Seminário Depois do Futuro – Museu de Arte do Rio – 12 e 13 de Maio

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Seminário “Depois do Futuro: Ruínas e Reinvenções da Modernidade nas Artes Contemporâneas”

O evento reúne professores de distintas universidades do Rio de Janeiro, com atuações dentro e fora da academia, para refletir como as artes contemporâneas e as teorias culturais e estéticas que lhe cercam examinam a noção de futuro hoje. Longe se pretender um exercício de futurologia o seminário traz olhares sobre o presente e especula possibilidades de vida e arte em mundo em que dá sinais de colpaso
ecológico, político e social.

Local: MAR – Museu de Arte do Rio/ Escola do Olhar
Dias 12 e 13 de Maio de 2015
Horário: 10h-16h
Entrada Gratuita.
Lotação: 60 pessoas

Programação

12/05
10h Abertura – Daniela Labra – apresentação do projeto de pesquisa
“Depois do Futuro: Ruínas e reinvenções da modernidade nas
artes contemporâneas”.
10:20 Kátia Maciel (UFRJ)
11:00 Alessandra Vannucci (UFRJ/PUC-Rio)
11:40 Considerações finais da manhã
12-14h Intervalo
14:00 Paula Sibilia (UFF)
14:40 Ieda Tucherman (UFRJ)
15:30 Considerações finais
16:00 Encerramento do dia

13/05
10h Abertura – Daniela Labra
10:20 Frederico Coelho (PUC-Rio)
11:00 Guilherme Vergara (UFF)
11:40 Considerações finais da manhã
12-14h Intervalo
14:00 Marisa Flórido (UERJ)
14:40 Guto Nóbrega (UFRJ)
15:30 Considerações finais
16:00 Encerramento

O seminário se realiza dentro do marco da pesquisa pós-doutoral de mesmo título desenvolvida junto ao PPGCOM/UFRJ e o Núcleo N-Imagem,com o apoio da CAPES/Cnpq.

Imagine Brazil e o lugar das coisas

Imagine Brazil; Detalhe com obra de Tunga.
Imagine Brazil; Detalhe com obra de Tunga.

Há umas semanas, após visitar a exposição Imagine Brazil em São Paulo, no Instituto Tomie Ohtake, postei nas redes reflexões que abriram um interessante fórum crítico sobre o peso do mercado de arte na circulação institucional de obras e artistas no Brasil e no mundo hoje. A mostra, encerrada dia 3 de maio, foi pensada em 2013 para levar ao público europeu um panorama da arte brasileira contemporânea emergente, reunindo 14 artistas jovens a outros estabelecidos, escolhidos pelos primeiros como sendo suas referências. Assim, o todo seria uma constelação com distintas gerações que representaria o cenário das artes no país, ainda mal conhecido no exterior.

O projeto original integrava uma série de exposições realizadas no Astrup Fearnley Museet, na Noruega, acerca da arte jovem na América do Norte, (Uncertain States of America, 2003) China (China Power Station, 2006) e India (Indian Highway, 2009), e de acordo com o curador norueguês Gunnar Kvaran, a missão destas empreitadas seria “espalhar conhecimento e oferecer novas imagens a respeito das vibrantes cenas artísticas desses países”. Além de Kvaran, Imagine Brazil teve curadoria do celebrado Hans Ulrich Obrist e do francês Thierry Raspail, e antes de chegar a São Paulo passou por Oslo, Lyon e Doha.

Apesar dos renomados profissionais envolvidos e da boa seleção de artistas brasileiros, a mostra, que aqui teve versão reduzida, era um pot-pourri de trabalhos nem sempre significativos, expostos com pouca coerência, prejudicada por um formato voltado ao olhar estrangeiro que pouco sabe do país e sua arte. Assim, obras de Tunga, Adriana Varejão e até Caetano Veloso, com áudio de discos, surgiam em meio a artistas jovens como Sofia Borges, Gustavo Speridião e Rodrigo Matheus sem que houvesse um texto e contexto coerentes para o visitante que não imagina a vibração do Bras(z)il sugerida no título, mas a vive no cotidiano real.

Com diversas obras espalhadas por grandes salas, a exposição dava a impressão de ser composta de trabalhos na maioria retirados diretamente de galerias, uma vez que quase todas as fichas técnicas indicavam o nome do estabelecimento que emprestara o trabalho como “cortesia”. Sem demonizar aqui a atuação de galeristas sérios, já que a prática de empréstimo de obras para exibições é algo corrente até em Bienais (que hoje são vitrines de valorização de artistas e representantes), ali o problema era o excesso de “cortesias”, que quase aproximava a exposição a um showroom, com obras que aparentemente pertenciam mais ao galerista que ao artista. E foi esse o ponto que me moveu a lançar um post nas redes – entendendo justamente o meu próprio papel no sistema da arte como alguém que atua e colabora com o mercado, direta ou indiretamente, e que tem algum arrazoamento para analisar minimamente a situação.

Lancei um comentário crítico e indaguei por que as galerias corteses e cortejadas não constavam ali apenas nos agradecimentos junto ao texto curatorial, como é praxe, e alguns agentes culturais deram boas respostas: Patrícia Canetti, do site www.canalcontemporaneo.art.br apontou, por exemplo, que a galeria virou um ponto de referência na “geografia” do circuito, e lembrou do tempo em que as gravadoras eram importantes e suas marcas vinham à mente como um sobrenome do artista – algo que já ocorreria com a arte contemporânea; Para a crítica Carolina Soares, tal situação seria sintoma de como mercantiliza-se a arte antes que ela alcance reconhecimento crítico, e que nesse movimento o valor atribuído à obra é o de mercado, algo que cerceia o seu próprio potencial como arte.

Embora por um lado muitas instituições culturais, públicas ou privadas, ainda padecem profundas precariedades, por outro o mercado de arte brasileiro ganhou poder nas últimas décadas profissionalizando-se e articulando-se internamente, e criou um circuito legítimo que divulga – e vende – mais arte brasileira a novos e velhos colecionadores. Nesse movimento de crescimento de mercado, contudo, é importante notar que cresce também a urgência em pensar como a arte pode evitar ser dragada pela lógica de produção e descarte de produtos que domina nossa era, quando é compreendida como mais um objeto no mundo e não como pensamento sobre o mundo. Acreditar que as galerias são vilãs nesse processo seria tão ingênuo como a recusa a perceber que existe um sistema para o qual há muitos artistas dispostos a formatarem suas produções para o fim comercial e se contentarem com isso. São sinais dos tempos que fazem obras artísticas perderem conteúdo em meio ao espetáculo da publicidade ou da venda, esvaziando seu potencial de emocionar e instigar reflexões, servindo a tendências fugazes e ficando, por fim, imprestável como contribuição para um futuro mais humano e sensível.

ps. Este texto foi alterado do seu original publicado no Jornal O Globo em 4/05/2015, uma vez que sua circulação fez alguns outros agentes das artes reagirem mal às observações nele colocadas, afirmando que se estaria maldizendo o mercado por algum recalque ou moralismo. Contudo, essas afirmações não procedem posto que a discussão, ao menos nas redes, manteve-se além de picuinhas pessoais, considerando de modo franco vários aspectos da relação da arte com o sistema mercantil como dado explícito e corrente no mundo atual. Sempre haverá a voz daqueles verdadeiramente ressentidos ou dos que heroicamente esbravejam contra a norma de consumo e exclusão provocada pelo sistema capitalista. Porém, não foi o caso da discussão que se seguiu ao meu post inicial nas redes e nem pretende ser a tônica deste breve artigo.

Versão de texto publicado em Jornal O Globo, Segundo Caderno, 04/05/2015

Rodrigo Braga, “Tombo”

Exposição "Tombo", de Rodrigo Braga na Casa França-Brasil
Exposição “Tombo”, de Rodrigo Braga na Casa França-Brasil

A Casa França-Brasil apresenta “Tombo”, primeira exposição individual na cidade de Rodrigo Braga, artista nascido no Pará, criado em pernambuco e residente no Rio há 4 anos. Destaque de uma geração que surgiu na cena de arte contemporânea há cerca de uma década, Braga chamou a atenção em 2004 com a série Fantasia de Compensação, a qual consistia na sequência de imagens de seu rosto recebendo, em uma sala de cirurgia, implantes de secções da face de um cão rottweiler. De aspecto realista, as fotografias exploravam o potencial de ficção da imagem digital manipulada, e permitia ao artista simbolicamente dotar-se da ferocidade e força do animal. Tendo como assunto o enfrentamento do homem com a sua própria animalidade, a natureza e a cultura, Rodrigo Braga desde então exibe projetos que evocam com frequência imagens fantásticas e viscerais, resultantes de vivências em situações-limite que ele mesmo forja. No seu trabalho, a morte e o inescapável retorno do corpo orgânico à terra é recorrente, enquanto um ar solene parece conter a tragédia e dar um ar dramático às suas fotografias e vídeos.

Em “Tombo”, Braga mostra suas questões desdobradas de modo maduro, mantendo o tom solene mas aliviando a carga visceral. A individual, muito bem construída com a curadora Thaís Rivitti, dispensa elementos demais e incorpora objetos de distintas naturezas para criar uma narrativa menos ficcional do que parece. Troncos de palmeiras no chão, fotografias de arquivo, pranchas de botânica, croquis de arquitetura, uma videoinstalação: “Tombo” pode ser lida como um romance ancorado em fatos reais, que gira em torno do simbolismo evocado pela palmeira imperial no Brasil e em especial no Rio de Janeiro. Aqui foi plantada, por D. João VI, no Jardim Botânico, a primeira semente da árvore, trazida das Ilhas Maurício. O momento marcava a modernização da nação e a criação das primeiras instituições como a Biblioteca e a Praça do Comércio, hoje a Casa França-Brasil.

O visitante é recebido na entrada por mais de 15 toras de palmeiras centenárias que jazem no chão, como vestígios de um tempo antigo e testemunhas das transformações da cidade. Compreendidos como ruínas, os troncos têm uma cumplicidade temporal com as 24 colunas do edifício de 1820, projetado por Grandjean de Montigny. De certo modo “Tombo” traz o tom distanciado e o tempo estancado dos museus históricos, quebrado, porém, pelo video com imagens de corte de palmeiras sem vida, no Rio. A sonorização do trabalho vale uns minutos de escuta atenta.

Tombo, que significa queda e também tombamento, proteção de patrimônio, leva a uma reflexão do constante movimento de construir e demolir a memória das cidades que existe aqui. Não por acaso há referências ao prédio da Imperial Academia de Belas Artes, projetado por Montigny em 1826 e demolido em 1937 para dar lugar a um terreno hoje usado como estacionamento. Embora Rodrigo Braga não toque só neste assunto, a mostra ilustra, melancólica, o soterramento da história pelo anseio de se construir uma nova História, aquela prescrita no futuro moderno, numa utopia de progresso hoje estagnada no presente. Ao buscar o novo, deixa-se tombar, cair o velho. Mas será inevitável demolir o passado para se investir no novo? Perguntemos às palmeiras.

Publicado em O Globo, Segundo Caderno, Abril de 2015.

“Made in Brasil” na Casa Daros, RJ

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Antonio Dias, Jogo da Náusea. 1964, Foto Peter Schalchli

Made in Brasil, em inglês mesmo, é o título da exposição em cartaz na Casa Daros em Botafogo, com curadoria de Hans-Michael Herzog e Katrin Steffen – curadores-chefe da coleção Daros de arte latinoamericana cuja sede fica na Suíça e hoje tem no Rio de Janeiro o seu espaço de exposições. A coletiva reúne cerca de 60 obras pertencentes a esta coleção privada, criadas por sete “medalhões” da arte brasileira: Antonio Dias, Cildo Meireles, Ernesto Neto, José Damasceno, Miguel Rio Branco, Milton Machado, Vik Muniz e Waltercio Caldas. Esta é a primeira exposição dedicada unicamente a obras de arte brasileira do acervo e marca a comemoração de dois anos de abertura da instituição.

O preâmbulo da mostra, na sala de visitação gratuita antes da bilheteria, traz uma família de “Humanóides” de Ernesto Neto: esculturas macias e pesadas de tule, lycra, bolinhas de isopor e especiarias para serem vestidas. Esse início lúdico também lança de imediato uma das características mais clichê da arte brasileira contemporânea no meio internacional, que vem a ser a sensorialidade e a organicidade da forma. Isso não chega a ser um problema, mas é curioso que em uma mostra com nome em inglês, curada por estrangeiros numa instituição de suíços, seja tal trabalho que abra o percurso. Ao mesmo tempo, é compreensível que o espectador seja logo recebido por essas aconchegantes peças como um sinal de boas-vindas.

Após brincarmos nas esculturas de Neto, é uma surpresa adentrar a primeira grande galeria com uma lenta instalação multimídia de Miguel Rio Branco. A sala escura com música suave, sofás e belas projeções de rostos, paisagens áridas e detalhes de natureza fotografados pelo artista desmonta expectativas do que poderia se esperar de uma arte “Made in Brasil” caricata. No geral, a seleção de obras traz algumas peças por demais vistas, como as fotografias “Medusa Marinara” e “Sigmund” de Vik Muniz, de 1997, e outras que, embora conhecidas, merecem ser experienciadas inúmeras vezes. Assim é a instalação “Missão, Missões (como construir catedrais)” de Cildo Meireles, 1987 e alguns livros de artista de Waltercio Caldas como “Giacometti”, 1997 e o hipnótico “Vôo Noturno”, de 1967. Caldas, por sinal, responde por um dos melhores momentos ocupando um espaço generoso com 23 livros que discorrem, de modo peculiar e poético, questões da arte, estética, história e filosofia. Outro destaque são os raros trabalhos de Antonio Dias das décadas de 1960-70 que explicitam a importante contribuição política e conceitual do seu pensamento artístico para a arte brasileira.

Diante de peças notáveis, sendo algumas únicas, é inevitável sentir angústia ao pensarmos que elas pertencem a uma coleção estrangeira. Não fosse a Daros Collection resolver investir no país, talvez esta exposição nunca pudesse ser vista aqui. Após a aquisição de uma das principais compilações de arte concreta brasileira pelo Museu de Fine Arts de Huston em 2007, a sensação de desfalque histórico persiste quando vemos arte brasileira de excelência em posse de coleções internacionais. Contudo, é preciso fazer jus às boas condições em que vivem estas obras e reconhecer que aqui elas dificilmente teriam o mesmo tratamento digno em reservas técnicas públicas.

Para os curadores de “Made in Brasil”, as qualidades individuais dos artistas são muito singulares e não resultam em uma visão geral homogênea: “eles têm um perfil variado, e representam o gigantesco cenário da potência artística brasileira dos anos recentes”. Porém, o título é dúbio e pode ser interpretado ao contrário, como a redução da arte de diferentes artistas em um mesmo rótulo de identidade nacional. A curadoria consegue ser melhor que isso, e o título nacionalista afinal nada mais parece do que um apelo da Casa Daros para valorizar seu produto e atrair público. Ainda assim, ausência de mulheres com boas obras na coleção é uma falta importante, tal como a mineira Waleska Soares, que ainda não expôs na instituição. O problema está para além de uma discussão politicamente correta sobre gênero, pois diz respeito ao modo como se legitima o que é “Made in Brasil”, excluindo a produção delas. Portanto, esta exposição, com obras valiosas para a nossa historiografia da arte recente deve ser apreciada mais como uma coletiva com alguns meninos do Brasil do que um recorte amplo e problematizado sobre a “cara” da arte contemporânea brasileira.

Cildo Meireles, "Missão/Missões - Como construir catedrais" , 1987. foto Zoe Tempest
Cildo Meireles, “Missão/Missões – Como construir catedrais” , 1987. foto Zoe Tempest

Mostra de Osmar Dillon no Rio de Janeiro

Osmar Dillo, Déc. 1970. Foto: Pat Kilgore
“Eu Tu”. Déc. 1970.  Foto: Pat Kilgore

O Centro de Artes Hélio Oiticica, na Praça Toradentes, Centro do Rio de Janeiro, apresenta uma singela exposição do arquiteto, artista e poeta Osmar Dillon (Belém, 1930- RJ, 2013) cuja obra integrava poesia e pintura resultando em trabalhos categorizados como livros-poemas e não-objetos verbais. Vivendo no Rio na época da eclosão do Neoconcretismo, participou das Exposições de Arte Neoconcreta de 1960 e 1961, fundamentais para os posteriores desenvolvimentos artísticos brasileiros. Embora tenha se ligado ao movimento e estado presente nestes eventos Osmar Dillon, que parece ter sido um homem discreto, não alcançou a mesma notoriedade dos colegas Lygia Clark, Lygia Pape e Hélio Oiticica, ou Ferreira Gullar, cuja obra poética-plástica veio acompanhada de um discurso conceitual sofisticado que gerou a “Teoria do não-objeto” (1960).

Esta exposição procura contribuir no reposicionamento da obra de Dillon na história da arte brasileira do século XX, apoiando-se em uma pesquisa correta e reunindo trabalhos e projetos executados entre 1960-73, sendo alguns praticamente inéditos. Como aponta a curadora Izabela Pucu, as obras reunidas mostram o interesse de Dillon na relação entre palavra e visualidade. A curadoria, construída em parceria com o companheiro de vida do artista, Roberto Feitosa, dá ao conjunto um ar sutilmente amoroso e despojado, evidenciado logo no início do percurso com uma carta de Feitosa sobre/para Dillon, datilografada em papel amarelado e emoldurada. Ali ficamos sabendo que o artista era um homem muito criativo, de bons amigos e reservado, desinteressado em self-marketing e networking – o que explicaria de certo modo a pouca visibilidade que sua obra recebeu nas últimas décadas.

A exposição, que é curta, tem trabalhos formalmente curiosos, agradáveis e bem literais no sentido de se quererem entender como literatura, imagem e desenho. Dillon, formado em arquitetura em 1954, testemunhou o desenvolvimento da arte concreta e do design no Brasil, e tais referências são marcantes no conjunto de não-objetos e livro-poemas selecionados. Fica claro que estas obras tridimensionais feitas em madeira, papel, ferro, espelho ou acrílico, participativas ou não, expressam imagens que se completam pela matéria e sua forma, em uma pesquisa artística consonante com discursos da arte dos anos 1960-70. Bons exemplos são a escultura-poema-objeto Arte e Sopro (1960-1961) e o totem Boca-Eco/Sexo-Ovo (1970). É possível tocar em vários dos trabalhos, com e sem a orientação de um monitor, sendo essencial para a fruição dos livros-poema especialmente.

A mostra termina em uma sala grande com alguns desenhos e uma tela da série Devorantes, de 1969, todos de inspiração surrealistas, que não chegam a despertar grande interesse por aparentarem ser uma amostra muito pequena do que foi uma grande pesquisa do artista. Neste espaço também se encontram os desenhos/projetos da série Estudo para um Monumento Vivencial I, II e III (1961-1970) que dialogam de modo complexo com o horizonte e a arquitetura da recém inaugurada Brasília. Em uma parede, documentos e artigos de jornal ajudam a contar a trajetória de Dillon entre os anos 1960-70, assim como um pouco do cenário da arte de vanguarda do período. Ao lado desses registros, quinze poemas do artista, datilografados em papel amarelado e emoldurados, encerram o percurso de modo tocante. São composições muito simples e ritmadas, que de certa maneira concentram o pensamento que dá corpo aos trabalhos tridimensionais. Finda a visita fica a sensação de que Osmar Dillon ainda tem muito para ser estudado e exibido, sendo este só um primeiro passo, pequeno e importante, para uma revisão mais ampla de sua obra poética.

"Arte e Sopro" (1960-61) Foto: Pat Kilgore
“Arte e Sopro” (1960-61)
Foto: Pat Kilgore

* Publicado em Jornal O Globo, Segundo Caderno, 16/03/2015

Curso Livre EAV Parque Lage em Abril/2015

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O curso aborda a produção de artistas inseridos no circuito da arte global que usam esse espaço para fazerem circular discursos críticos e práticas experimentais distintas. Examinaremos a obra de nomes atuantes no cenário contemporâneo e também as práticas seminais de artistas surgidos na segunda metade do século XX. Alguns artista abordados são: Tania Bruguera, Teresa Margolles, Dorys Salcedo, Santiago Sierra, Rafael França, Gordon Matta-Clark, Allora & Calzadilla, Alfredo Jaar, Bernardette Corporation, ORLAN, Ricardo Basbaum, Renata Lucas, Hector Zamora e outros.

+ info: http://www.eavparquelage.rj.gov.br/modos-de-agir-e-pensar-criticamente-a-arte-contemporanea-4/

Teresa Margolles em Recife

 DSC01010A Fundação Joaquim Nabuco em Recife exibe até 8 de março a exposição “Enquanto For Necessário”, primeira individual da mexicana Teresa Margolles no Brasil, sob curadoria de Moacir dos Anjos. Conhecida internacionalmente por discutir de modo contundente a violência urbana que vitima milhares de pessoas em seu país, Margolles exibe alguns trabalhos antigos, além do resultado de um projeto novo envolvendo bordadeiras da comunidade recifense de Alto José do Pinho.

Formada em arte e em medicina forense, a artista se dedica desde os anos 1990 a um trabalho artístico que denuncia o escabroso cenário de homicídios em massa causados pelo narcotráfico no México. Tendo como ponto de partida cenas e relatos de crimes e eventos violentos ocorridos em lugares como Ciudad Juárez, na fronteira com os E.U.A., ou Culiacán, onde nasceu, Teresa cria narrativas fascinantes e dolorosas ancoradas numa realidade muito dura. Embora ela exponha situações ocorridas em cidades mexicanas, o trágico panorama que aborda se extende por muitos centros e periferias latinoamericanos marcados pela desigualdade social, corrupção endêmica e a ação criminosa de milícias de todo tipo, tal como se vê no Recife e no próprio Rio de Janeiro. Como aponta Moacir dos Anjos, o trabalho desta artista cada vez mais alcança lugares afastados do México mas que partilham com esse país a necessidade de tornar visível e lidar com a violência que atinge populações desguarnecidas dos direitos mínimos assegurados. E o direito à vida é um deles.

A exposição traz obras como PM (2012),exibida na 7a Bienal de Berlim em uma versão diferente da que se vê aqui. No Recife, o trabalho se apresenta como uma projeção sequencial de capas do jornal popular de mesmo nome colecionadas pela artista ao longo de um ano em Ciudad Juárez, uma das cidades mais violentas do mundo. Cada imagem projetada mostra as primeiras páginas do tablóide ilustradas por fotos de cadáveres, quase sempre ao lado de fotografias de mulheres sensuais e anúncios de prostituição. O ritmo quase monótono dos slides evidenciam a escandalosa desvalorização da vida no cotidiano dessa e tantas outras cidades, enquanto também explicita a operação do jornal de aproximar em seu espaço privilegiado “corpos radicalmente regulados pela morte e outros regidos pela satisfação prometida pelo sexo pago”, nas palavras do curador. Além de PM, completam a mostra Trepanações (sons do necrotério), 2003, trabalho sonoro que reproduz o ruído de uma serra cortando a cabeça de uma vítima de assassinato durante a autópsia; Esta propriedade não será demolida, 2009-2013, que apresenta fotografias de propriedades à venda ou abandonadas em função da insegurança em Ciudad Juárez; a videoinstalação Como Saímos?, 2010, que exibe um vídeo feito do interior de um carro de passeio, onde crianças pobres são filmadas, do lado de fora, perguntando aos passageiros do veículo onde há uma saída. Por último, é apresentado o resultado do trabalho realizado em conjunto com as mulheres bordadeiras da comunidade do Alto José do Pinho. Este projeto integra uma série de ações que a artista desenvolve em localidades diversas com bordadeiras convidadas a trabalhar sobre tecidos previamente embebidos em sangue ou fluidos de uma pessoa assassinada. Enquanto as mulheres conversam sobre medos e o risco que rodam suas vidas, vão surgindo imagens bordadas que remetem à sua realidade insegura e a relatos da violência testemunhada, junto a projeções de um futuro melhor que talvez chegue um dia.

No Brasil, Berna Reale, Armando Queiróz e Clara Ianni são dos poucos artistas que tocam em temas trágicos e sujam de leve o tapete vermelho do sistema artístico. Como Teresa Margolles, suas obras mostram que a arte contemporânea ainda pode fazer crítica social séria apesar da tola aura de glamour que a prende em armadilhas fúteis alheias aos conflitos do mundo real.

Versão em PDF : Preview of “Infoglobo – O Globo – 16 fev 2015 – Page #26” copy

Artist Residency Grant 2015 – Le CouveNt

Divulgando a pedidos (este não é um blog de promoção de evntos, ok?):

Artist Residency Grant 2015 – Le CouveNt
Description
Le CouveNt is pleased to announce a call for applications for the 2015 Grant Program.
The “le CouveNt Grant for Artists” encourages the mobility of young artists as well as the expression of cultural diversity. The grant is aimed to worldwide emerging artists, from all disciplines

Application Instructions
To be eligible, applicants must first register on this web address:
http://www.lecouventauzits.com/en/2015-grant-program
They will receive instructions by email, as well as the application form and a complete description of the program.

Le CouveNt
Le Château – 12390 – Auzits – France
info@lecouventauzits.com
http://www.lecouventauzits.com

Jonathas de Andrade no MAR, Rio de Janeiro

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O Museu do Homem do Nordeste foi criado no Recife em 1979 a partir da junção dos acervos do Museu do Açúcar, do Museu de Antropologia e do Museu de Arte Popular de Permambuco. Sua concepção museológica inspira-se no conceito de museu regional do sociólogo e antropólogo Gilberto Freyre, e seu acervo possui documentos das formas de arquitetura local e objetos que representam as manifestações socio-culturais populares do Nordeste, como a cerâmica, o carnaval e os cultos religiosos sincréticos.

Apropriando-se do nome e da proposta da instituição pernambucana, Jonathas de Andrade, alagoano radicado no Recife, ocupa o primeiro andar do MAR até 22 de março, com uma versão particular, atualizada e política do Museu do Homem do Nordeste. A exposição reúne 18 obras suas e 74 peças da coleção Fundação Joaquim Nabuco (dos acervos do Centro de Estudos da História Brasileira e do Museu do Homem do Nordeste), da Fundação Gilberto Freyre e do Instituto Lula Cardoso Ayres.

O resultado é um conjunto narrativo composto por instalações, vídeos, fotografias, pinturas, objetos e documentos que tensionam estereótipos e ideias pré-concebidas vinculadas à região. O Museu do Homem do Nordeste no MAR possui metodologia de investigação e catalogação de dados própria, que ganha corpo na sala do museu, sendo ela mesma uma proposta museográfica diferente, que informa uma ampla pesquisa sobre contradições e perversidades históricas brasileiras, discutida desde um ponto de vista nordestino, artístico e contemporâneo.

O Museu do Homem do Nordeste é composto por trabalhos com processos longos, tal como Levante, filme que dá visibilidade ao problema dos carroceiros na capital pernambucana: Trabalhadores socialmente invisíveis, que ganham a vida fazendo fretes em carroças de cavalos há décadas, e vêm sendo banidos das vias públicas de Recife pela especulação imobiliária e os veículos motorizados, ficando sem alternativa de sustento. Procurando dar voz à situação, o artista promoveu com os carroceiros a 1a Corrida de Carroças no Centro da Cidade do Recife, um protesto barulhento e celebratório, sob o pretexto de ser o roteiro de Levante. Tal estratégia permitiu a Andrade desenrolar toda a burocracia pública para as devidas autorizações da filmagem e, consequentemente, do protesto.

Enquanto o filme explora esteticamente a ambiguidade típica de obras artísticas que lidam com a realidade, a documentação da Corrida é exposta com notícias da imprensa, declarações e registros do cotidiano dos carroceiros, dando a dimensão desse mundo próximo do qual constrange falar. Quando Jonathas produzia Levante, entre 2012 e 2013, o país viveu as Jornadas de Junho e viu a violenta repressão do Estado. Assim, relatos de acontecimentos dessa época se somam à documentação da Corrida, formando um panorama tenso das recentes convulsões sociais brasileiras.

Os trabalhos da mostra usam táticas de ação distintas. Nos Cartazes do Museu do Homem do Nordeste, o artista publicou anúncios em classificados de um jornal popular do Recife, convocando homens trabalhadores com qualidades como: morenos, mãos fortes, boa índole, entre 30-50 anos, descendentes de escravos, feios ou bonitos, para posarem para arquivo fotográfico. Os interessados deveriam posar do modo como se imaginavam representando a região, e então formariam o catálogo de modelos másculos pouco ortodoxos dos cartazes do Museu. Além destas peças, a obra se completa com seis cadernos de anotações do artista sobre o processo de encontro e realização da foto com o trabalhador, revelando como são compreendidos e reproduzidos estereótipos de masculinidade e erotismo.

O Museu do Homem do Nordeste é um projeto fascinante na sua virulenta discussão cultural, apresentando de modo algo desconfortável crueza material, histórica, e sensualidade bruta. Suas questões atravessam a arte, a casa e a rua, conseguindo ocupar a instituição de forma inteligente e crítica, desconstruindo mitos de um Brasil pós-moderno que finge ignorar a herança escravocrata que ainda paira em 2015.

*Publicado em Jornal O Globo, Segundo Caderno, 6-01-2015