Nan Goldin tem projeto adiado e remanejado no Rio de Janeiro


Fotos: Nan Goldin

* Final feliz mas nem por isso isenta-se de reflexão o ocorrido: a exposição de Nan Goldin vai acontecer no mam-rj, com abertura em 13/02/2012 e patrocínio do Oi Futuro – porém ainda assim mantemos o texto abaixo pois o momento da cultura no Brasil merece ser discutido.

No Brasil da tecnocracia Dílmica, cada vez mais observamos projetos de arte patrocinados por grandes corporações, que por meio de descontos fiscais de leis de incentivo à cultura realizam exposições em nome da arte e de seu marketing. Isso poderia não ser de todo um problema não fosse o fato de que o investimento em artes tem sido mais e mais instrumentalizado e direcionado a projetos espetaculosos e acríticos, que evitem manchar o nome da instituição e também não venham a ferir o público. E o que seria exatamente este “ferir”?

Observamos que o espectador consumidor de produtos culturais vem sendo tratado de modo infantilizado, submetido a regras padronizantes que simplesmente esterilizam de ante-mão o que a arte tem como maior potência: a possibilidade de gerar reflexão crítica e discursos sobre o mundo controverso que habitamos.

Dentro dessa perspectiva esterilizante, o Oi Futuro, no Rio de Janeiro, instituição dedicada a projetos educativos e sem fins lucrativos (também pudera, a empresa mantenedora lucra com telefonia e tem isenção fiscal quando investe em cultura), acaba de vetar uma exposição de uma das artistas mais interessantes do final do Século XX, que é a fotógrafa Nan Goldin. A mostra iria acontecer em Janeiro de 2012, e sua supensão deveu-se ao temor de que a artista expusesse fotos de crianças junto a imagens de adultos em situações-limite.

Um jornalista me contou que a instituição havia vetado imagens de crianças nuas em princípio, e que a artista acatou. Porém, a censura se fez quando foi exigido que fotos de crianças vestidas também não integrassem a mostra. Diante disso, a perspicaz Nan Goldin sugeriu então colocar tarjas pretas sobre todas as fotos expostas, explicitando assim a ação censora institucional. Esta sugestão desagradou ao Oi Futuro que suspendeu a exposição.

A curadora independente e responsável pelo projeto, Ligia Canongia, afirmou em carta aberta que os curadores da instituição desconheciam o trabalho de Nan Goldin e que, ao verem as imagens duras – e humanas – da fotógrafa retiraram o projeto da agenda. Não ficou claro, no entanto, se o patrocínio também seria suspenso.

De certo, não conferi pessoalmente os fatos com o centro cultural, mas os jornais divulgaram tal versão hoje. De qualquer modo, houve um adiamento da exposição de Nan, aparentemente em nome de uma moral e de bons constumes que estão prá lá de abalados e caducos na contemporaneidade, o que só nos faz rir e lamentar este papelão.

O ocorrido nos leva a pensar realmente sobre a idiotização do público, a quem lhe é negado o direito de opinar e discutir algo que pode ser ou não polêmico. Em nome dessa certa ética e moral em franca crise, o indivíduo não tem mais livre arbítrio para decidir o que deseja apreciar ou não. Os poderes do capital e do Estado normatizam a vida privada e a saída parece ser mesmo afiliar-se a uma Igreja pentecostal e esperar a salvação do Messias com seu saco de presentes, pois pensar criticamente não é mais possível.

Na cidade que sofre uma reforma brutal para receber espetáculos desportistas em breve, e onde o custo de vida tornou-se estratosférico, notamos que a alienação é a melhor parte do jogo para os investidores. A maquiagem carioca não consegue lidar com os conflitos e crises da contemporaneidade, preferindo primeiro fazer calar.

Nan Goldin, que já expôs nas mais importantes instituições e mostras do mundo, não tem espaço nesta cidade onde o caos e a arbitrariedade imperam, posto que suas imagens são “chocantes”. Pois eu prefiro o choque da arte ao choque imposto pela ignorânica e a hipocrisia.

Viva Nan Goldin! Viva a humanidade de seus retratos dos excomungados pela “sociedade de bem” que se nega a ver beleza onde em princípio so há feiúra e decadência.

O ser humano é lindo mesmo em sua solidão e desespero. Essa é a mensagem de Nan.

One thought on “Nan Goldin tem projeto adiado e remanejado no Rio de Janeiro”

  1. Hoje, em 2017, depois de tantas exposições e peças de teatro sendo censuradas, depois que a exceção chegou fantasiada de democracia usando toga, chega a ser engraçado ler que a moral e os bons costumes estão prá lá de abalados e caducos na contemporaneidade, o que só me fez rir e lamentar esse espectro negro nos rondando novamente.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *