O direito de intervir: o mesmo assunto sob um olhar mais amplo

O direito de intervir por Pedro Alexandre Sanches e Ramiro Zwetsch, Carta Capital

O direito de intervir

Matéria de Pedro Alexandre Sanches e Ramiro Zwetsch originalmente publicada na Carta Capital em 12 de dezembro de 2008.

Apelidada algo jocosamente de “Bienal do Vazio” e encerrada no sábado 6 de dezembro, a 28ª Bienal de Artes de São Paulo se mantém alvo de debate, mas menos pelo que era intrínseco a ela e mais por algo que veio de fora e a instituição se esforçou por extirpar. Logo no primeiro dia de exposição aberta ao público, cerca de 40 pichadores “roubaram” para eles grande parte da atenção cobiçada por um evento já de antemão esvaziado. Naquele 26 de outubro, invadiram o pavilhão do Parque do Ibirapuera para imprimir suas marcas nas paredes imaculadas da criação de Oscar Niemeyer, munidos de spray e alguma agressividade.

A mostra, que neste ano ostentou o lema Em Vivo Contato, entrou em vivo contato com os manifestantes. Mas para reprimi-los e prendê-los.

Os desdobramentos não param. A artesã Caroline Pivetta da Mota, de 23 anos, foi presa naquele dia e até 10 de dezembro permanecia na Penitenciária Feminina Sant’Ana, no Carandiru. O taxista Rafael Vieira, também presente no chamado protesto, foi levar documentos para a colega e terminou preso por oito dias.

Caroline, em especial, é evidente bode expiatório de um confronto social de contornos violentos que aterroriza instituições, autoridades, curadores e parte volumosa da sociedade. A ação dos pichadores e a repressão também violenta a Caroline abrem diversos territórios de embate simbólico, entre arte “nobre” e arte de rua, entre o que é considerado arte e o que não é, entre arte, entre repressão e liberdade, entre elite e favela. O confronto é ilustrado até na dimensão ortográfica. Os pichadores se auto-representam como “pixadores”. A norma estabelecida, “culta”, trata os pixadores de “pichadores”. Abre-se um leque de contradições do qual ninguém escapa, e entre o picho e o pixo está o xis de uma complexa questão.

A cicatriz da cisão social aparece no discurso do curador da 28ª Bienal, Ivo Mesquita. “É claro que ninguém esperava que eles pedissem para pichar. Mas aquilo foi um arrastão, e arrastão não é a melhor prática”, diz, em alusão indireta à origem social da maioria dos integrantes de grupos como PiXação – Arte Ataque Protesto, Sustos, Maligno e Túmulos.

O curador critica a atitude “exibicionista”, “narcisista” e “vaidosa” de um suposto líder do grupo, Rafael Augustaitiz, que na opinião de Mesquita é “doido para aparecer na mídia”. Mas em seguida inverte a direção: “O exemplo está aí, vem de cima para baixo. Todas as classes sociais são mal-educadas. Temos uma elite preconceituosa, uma sociedade classista”.

Augustaitiz, codinome Pixobomb, vem da periferia paulistana e estudava artes visuais no Centro Universitário Belas Artes, como bolsista. Seu primeiro ato célebre, em julho deste ano, foi defender a pichação como trabalho de conclusão de curso. Levou a turma para pichar a faculdade de classe média alta. Foi reprovado, acabou expulso da faculdade e ficou sem diploma. Arredio, o ativista pop responde com citação ao filósofo Friedrich Nietzsche a uma tentativa de aproximação por e-mail. “Como falta tempo pra pensar e ter sossego no pensar, não se estuda mais as opiniões divergentes. Contenta-se em odiá-las”, reproduz.

O grupo é heterogêneo e formado por diversos subgrupos. Outro integrante conta que as manifestações são convocadas por e-mail ou em filipetas distribuídas nos vários points de pichadores pela cidade. O ato mais violento aconteceu em setembro, numa galeria privada, ironicamente chamada Choque Cultural. No que apelidam de “atropelamento”, picharam por cima de grafites de outros artistas. E agravaram contradições entre os grafiteiros, artistas de rua em processo de assimilação pela sociedade, e a corrente mais crua e agressiva, adepta do “picho”.

“Todo mundo está assustado”, afirma Mesquita, em referência ao ataque à Bienal. “Não só a Fundação, mas também os museus da cidade tiveram de reforçar a segurança, e isso tem custo.”

Tanto a pichação como o grafite são enquadrados na legislação como crimes ambientais. O artigo 65 da Lei 9.605/98 determina detenção de três meses a um ano para quem “conspurcar edificação ou monumento urbano”. Mas, por trás de implicações policiais e ambientais, há outras, de natureza política. O pichador Tatei, que trabalha como segurança e integra o grupo Túmulos, cita pichações contra Gilberto Kassab e José Serra, na casa do primeiro e junto à “cratera” aberta numa obra do Metrô. Há poucos dias, o Túmulos pichou no muro da casa de Celso Pitta as frases “a cadeia é só para pobre” e “liberdade, Carol”. “A gente não está de bobeira. Agora todo mundo está metendo o pau, mas ninguém quer saber como a gente vive”, diz Tatei.

Mas, para cá desses casos mais agudos, a pichação está fixada na pele da cidade de São Paulo como tatuagem irremovível. Nem o implacável projeto Cidade Limpa consegue combatê-la. Arrancados outdoors e placas, a tinta reluz ainda mais cintilante, no centro ou na periferia, e compõe a paisagem urbana, mesmo incompreensível aos olhos da maioria. Quem a rejeita se acostuma a conviver com ela sem sequer notá-la.

Num sábado, a reportagem encontra-se com um grafiteiro e quatro pichadores participantes das manifestações. Todos são unânimes quanto ao prazer em fazer algo ilegal. “A graça é a ilegalidade, dar vários bonés na polícia”, argumenta o pichador Sustos. “Se fosse legalizado, eu não ia querer mais pixar. Ia perder a graça”, completa o rapper R Hip-Hop.

Outro ativista, o vendedor Alemão, da gangue Larápios, sintetiza intenções por trás das ações: “Deixo uma parte de mim na cidade. Sangro, suo, me desgasto nos rolês. Tenho tanto pixo por aí que me sinto como se eu tivesse um bem material. Tenho uma obra, aquilo me completa”.

Do outro lado da muralha social, há quem seja crítico tanto à arte estabelecida quanto aos invasores. O pintor Rodrigo Andrade, que participou da Bienal de 1985, repudia o que chama de “curadorismo” e declara simpatia pela pichação, mas bombardeia os homens-bomba de spray: “A invasão esvazia a força da pichação, é tiro no pé. É vandalismo travestido de idéia artística. É tudo autopromoção”.

“O que importa é a idéia que fica. Acho que é a primeira vez que surgiu um diálogo mais aberto sobre a pixação”, contrapõe o fotógrafo Adriano Choque, que acompanha essa movimentação há três anos e clicou as três imagens reproduzidas nesta reportagem.

O designer francês François Chastanet, autor do livro Pixação – São Paulo Signature, amplia o foco. “Pixação é vandalismo, e por isso é tão interessante. O fato desses escritos serem ilegais é essencial. Os pixos são um alfabeto desenhado pela invasão urbana”, argumenta Chastanet. “Os pixadores de São Paulo foram capazes de formar sua própria identidade pela tipografia, este fato é único no mundo da comunicação visual de subculturas.”

Questionado sobre o ponto delicado do direito de todos ao acesso ao mundo das artes que ele representa, Mesquita concentra-se nas contradições do lado oposto: “Mas por que eles querem ter acesso a este mundo que eu represento? Por que querem ser institucionalizados? Você deixa de ser transgressivo quando entra na instituição”.

Mas essa contradição parece recíproca. A tentativa de entrada forçada por parte dos pichadores contrasta com o confinamento progressivo da chamada arte oficial. Ao expulsar os segmentos transgressores mais violentos e estranhos a seu dia-a-dia, a Bienal arrisca-se a expulsar a própria transgressão de suas entranhas.

Fora do ambiente de invasão, uma das ações consentidas com maior repercussão na Bienal foi a performance Sem Título – A bondade de estranhos, de Maurício Ianês. Completamente nu a princípio, ele “morou” no prédio da Bienal entre 4 e 16 de novembro, intervalo em que dependeu exclusivamente dos visitantes para obter alimentos e roupas.

Se a nudez, por exemplo, incomodou a sociedade em outros tempos, hoje curador e artista são unânimes em afirmar que não se trata de um trabalho de transgressão. “É mais no sentido de ele ficar morando aqui dentro”, diz Mesquita.

Para Ianês, o conflito trazido pelos pichadores diz respeito à lei, e não à Bienal ou à arte. Mas ele também contempla a contradição, quanto aos limites entre o que as regras vigentes permitem ou não: “Tive a oportunidade de ver outros artistas, músicos e performers que usaram meu trabalho para apresentar o seu, coisa totalmente condizente com a idéia da performance. E não foram barrados”.

O curador cita alguns desses exemplos, como o homem que tocava acordeão e pedia dinheiro aos visitantes dentro do prédio ou o manifestante que espalhava pequenos sinais pelo prédio, e nunca foi identificado.

É fato que tais exemplos não contemplam depredação nem violência explícita. Mas algumas perguntas incômodas rondam a arena de confronto. Quanto da distinção de tratamentos diz respeito ao grau de agressividade de quem se sente excluído de um clube seleto? Quanto diz respeito ao grau de domesticação atingido pela arte de pavilhão? Ou, em termos mais diretos, quanto de tal conflito se explica pela classe social de cada visitante disposto a penetrar (com ingresso gratuito) no santuário de Niemeyer?

para este e outros textos sobre o assunto: www.canalcontemporaneo.art.br/brasa/archives/001973.html

Caroline Piveta da Mota, está presa há quase 50 dias por pixar as paredes vazias da Bienal de São Paulo.O link a seguir é um abaixo-assinado pela sua liberdade.
http://www.abaixoassinado.org/abaixoassinados/3309

Destinatário: FUNDAÇÃO DA BIENAL DE SÃO PAULO E MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

No dia da abertura da 28ª Bienal de Artes de São Paulo, 40 pichadores entraram no Pavilhão e “atacaram” com seu design gráfico todo particular o segundo andar o prédio, o local que estava o chamado “vazio” proposto pela curadoria que consistia de paredes e pilastras brancas. Na ocasião, a pichadora Caroline Piveta Mota foi a única detida sob a alegação de depredar o patrimônio público. Acusada de se associar a “milicianos” para “destruir as dependências do prédio”, a jovem continua presa.

O que nós, agentes culturais, estranhamos é que existe um paradoxo nesse caso, pois se trata de patrimônio público, mas também de uma mostra de arte contemporânea, local propício para esse tipo de manifestação desde o começo do século 20.

Como escreveu o professor e artista Artur Matuck: “As paredes foram pichadas e repintadas e a mostra não foi prejudicada. Independente da discussao estética, se a pichaçao é ou não arte, se se justifica ou não, a atuação deste grupo ao invadir o prédio da Bienal com um grupo de pichadores, foi também um ato expressivo, foi inequivocamente uma manifestaçao cultural. […] Uma discussão ampla e bem informada sobre o fenômeno cultural da pichaçao é relevante desde que na medida em que não é validado enquanto expressao artistica pode ser considerado como vandalismo e justificar repressão”.
Repressão essa que faz Caroline estar presa até hoje e ainda pegar uma pena de 3 anos.
Por isso pedimos: LIBERTEM A PICHADORA CAROLINE PIVETA DA MOTA!

28ª Bienal de São Paulo: + Ruídos

Este artigo/ carta está circulando intensamente e o assunto vem sendo muito debatido. Enquanto a onda pró libertação Caroline Sustos avança, tornando-a mártir de uma situação que envolve muitos assuntos os quais extrapolam o campo da arte, apenas repasso informação…

Acusar a grafiteira Carolina da Mota, presa há 52 dias, de “danificar patrimônio tombado” é estratégia hedionda

PAULO HERKENHOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA

Minha opinião ou a de qualquer outra pessoa sobre o grafite não tem a menor importância no caso da Carolina Pivetta da Mota na Bienal de São Paulo. Não se trata de condenar ou aplaudir a ação de grafitagem. Eu vi, em 1972, os seguranças do MAM carioca ajudarem Antonio Manuel a fugir da polícia que o perseguia porque havia se apresentado nu no Salão Nacional de Arte Moderna. O MAM do Rio não mandou prender Raimundo Colares quando quebrou vidros do prédio em manifestação durante a ditadura militar.
A Bienal quer que o Brasil sinta saudades da ditadura? A mesma Bienal que entrega a grafiteira à polícia foi a que proscreveu Cildo Meireles em 2006 por ter protestado contra a reeleição de Edemar Cid Ferreira para seu conselho. O paradoxo é que Edemar não providenciou a prisão da garota que beijou com batom uma tela de Andy Warhol na Bienal de 1996, fato muito mais grave do que grafitar paredes nuas.
A Bienal, seu presidente, conselheiros e curadores que continuarem a se omitir precisam aprender algo com Edemar: na Bienal, a repressão não é um fim em si. Confesso que, quando soube da grafitagem, pensei que fosse um gesto autorizado numa Bienal que ia criar uma praça de convivência e estimulava a participação da cultura pop jovem. Era estratégia de marketing ou efetiva proposta de política cultural?
No entanto, tudo é obscurantista na posição da Bienal desde o dia da grafitagem. Posso até entender as reações de primeira hora mais agressivas por agentes culturais e políticos da Bienal, mas temos de admitir ser uma estratégia hedionda acusar a grafiteira de “danificar” o patrimônio tombado, já que as feiras, as festas de casamento e a própria Bienal furam e escrevem nas paredes, pintam e bordam com o prédio sem autorização do Iphan.
Se a grafiteira fosse um nome do mercado de arte não teria sido presa ou já estaria solta. O ato de Carolina Pivetta da Mota é rigorosamente igual a tudo o que ocorre no prédio da Bienal. Depois é só repintar, como aconteceu. Tudo se refaz porque o prédio da Bienal está à disposição da expressão. Sua estrutura original de feira industrial tinha que ser necessariamente versátil para atender a todo tipo de tranco físico. Por isso o acabamento sem adornos e luxo do Pavilhão do Ibirapuera. É só cimento, tijolo e cal.

Debate na pasmaceira
Carolina também não interveio na obra de ninguém. Ela não é uma Tony Shafrazi, que grafitou a “Guernica” de Picasso. Se tivesse praticado um ato anti-social realmente grave, Carolina já poderia ter sido condenada a alguma prática comunitária na própria Bienal. Neste caso, não se estaria “domesticando” uma consciência crítica, mas dando-lhe a oportunidade de entender melhor o processo de uma Bienal. O que Carolina está contribuindo socialmente agora é a introduzir um debate na pasmaceira institucional.
Se tivesse causado um dano real à superfície das paredes, teria sido ínfimo. Dirigi um museu do Iphan onde uma ex-diretora causou danos em esculturas ao instalá-las ao ar livre, onde tomavam chuva ácida. O Iphan e o Ministério Público não pediram sua prisão quando se verificaram danos irreparáveis à pátina na escultura “A Faceira de Bernardelli”.
No caso do grafite na Bienal, não ficaram seqüelas. Fui curador da 24ª Bienal de São Paulo, e minha monografia final no mestrado em direito pela Universidade de Nova York foi na área de direito constitucional. Nessa dupla condição, afirmo que o que vejo aqui é uma posição odienta da Bienal transferindo a responsabilidade por essa situação kafkiana para os órgãos do Estado como responsáveis por este processo.
Carolina não danificou nenhuma obra de arte. Por acaso, Oscar Niemeyer veio a público protestar contra a grafitagem como um “ataque” danoso ao pavilhão do qual é autor, como sempre fez quando degradam um projeto de sua autoria?
A Fundação Bienal primeiro agiu de modo intolerante e agora de modo cínico ao lavar as mãos. Parece que estar em “vivo contato”, proposta desta Bienal, está sendo entendido como exercício de ira ou crueldade que, afinal, estão entre as pulsões de morte da espécie humana. Ou é só vingança? Afinal, alguém tem que pagar…
Mesmo que seja uma mulher, baixinha, gordinha que não conseguiu escapar da ineficiente vigilância da instituição como os outros 30 galalaus. Sua prisão serviu para salvar a honra dos vigilantes e o contrato da empresa com a Bienal… Parabéns a Carolina por não ter pensado na delação premiada para se safar da encrenca, mesmo depois de 52 dias sem um habeas corpus. Carolina Pivetta da Mota passou o dia de comemoração dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos numa cadeia em São Paulo. Isso não denigre a Bienal, nem São Paulo, nem o Brasil. Isso denigre a humanidade.
Se o vazio fosse de fato o espaço aberto para discutir a instituição, essa extraordinária grafitagem teria sido incorporada ao projeto ético e político da 28ª Bienal. A grafitagem já é um dos fatores mais marcantes desta edição. Com mais repressão, deixará de ser um problema de excessivo rigor penitenciário para se tornar uma questão para estudos éticos curatoriais e debates estéticos. Se a Fundação Bienal de São Paulo não se cuidar, a conclusão a que se poderá chegar é a de que o principal problema da Bienal é a 28ª Bienal e a estrutura política que a sustentou.
Peço desculpas a Carolina por não ter protestado, em minha recente palestra na Bienal, em sua defesa e contra esse estado brutal de condução da vida institucional. Eu pensava que já estivesse solta. Quem salva o Brasil e a Bienal não é cadeia, é Mário Pedrosa ao dizer que a arte é o exercício experimental da liberdade. E dirigir a Fundação Bienal de São Paulo ou fazer curadoria não pode perder isto de vista. (Rio, 12/12/2008)

PAULO HERKENHOFF é curador e crítico de arte. Dirigiu o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio, e foi curador do MoMA em Nova York e da 24ª Bienal de São Paulo, em 1998

28ª Bienal: ruídos brancos

No sábado passado encerrou-se a 28ªBienal, deixando muitos questionamentos sobre a sua eficácia enquanto exposição de arte e manifesto contra um padrão instituído de modelo expositivo espetacular que pulula mundo afora, e deixa tudo com cara de mercadoria e mercadão. A última edição da Bienal internacional de São Paulo também pretendia criticar as bases deficientes da gestão da Fundação Bienal que justamente tem colaborado para que a instituição haja perdido parte de seu compromisso sócio-cultural em mei a escândalos de corrupção e má utilização de verba pública.  A proposta da Bienal era moderna há 50 anos e hoje está defasada, gasta e afastada da sociedade como um todo.

Sobre esta exposição em si, ao contrário do que ouvi falar incessantemente de artistas e apreciadores da arte contemporânea, o vazio da Bienal (que nunca foi proposta curatorial de fato, mas um apelido dado pela mídia e críticos)  não me pareceu assim de fato tão… vazio. Houve talvez uma opção por um formato de exposição mais ‘clean’ e que valorizasse tempos alongados e silêncios, isto é, o que uma Bienal atualmente não tem: espaço para respirar. Porém, conceitualmente a idéia pareceu funcionar melhor do que na prática, uma vez que a experiência ganhou uma densidade difícil de ser permeada pelo espectador comum, que apenas quer ver uma “exposição de arte”.

No dia 4/12 ocorreu um debate na Bienal para fazer um balanço do evento. Ali,  junto com a co-curadora Ana Paula Cohen, a coordenadora dos debates Luisa Duarte e o crítico Luis Camillo Osório, o curador-chefe Ivo Mesquita declarou que esta Bienal foi encarada pela curadoria mais como uma exposição simplesmente, que pretendia refletir sobre a condição das Bienais no mundo e seus excessos negando, portanto, o pomposo status dado a uma Bienal. Mas, justamente por tentar trazer para o plano do ‘simples’ um evento de dimensões nacionais e que gera muita expectativa, o sentimento conseguido foi de decepção e alguma chateação para muita gente que não logrou penetrar na proposta de questionamento sobre um modelo desgastado.

Infelizmente, a chateação cegou muitos daqueles que poderiam ter contribuído para esclarecer a proposta da curadoria e envolver o público de modo que pudessem refletir com os curadores. Isso não ocorreu e a adesão ao projeto foi pequena. De certo, o modelo expositivo pensado pela curadoria se afastava da noção de uma exposição convencional e aproximava-se do que poderia ser um festival: programações de vídeos que mudavam a cada semana (vídeos incríveis, aliás), performance artísticas, de dança, musicais, e muito debates numa sequência de 23 seminários que discutiam arte e políticas da arte, além das prórpias bienais e seus modelos, principalmente a Bienal de São Paulo em seus mais de 50 anos de vida.

O vão do segundo andar deixado vazio pelos curadores, foi o mote mais polêmico. Talvez por não ter sido obra de algum artista, mas um projeto da curadoria, símbolo do poder autoritário que irrita e seduz tantos atores do meio da arte. Admitindo que cada experiência em arte é uma coisa única, quero registrar aqui que ao entrar no espaço vazio e gigante não senti melancolia nem raiva por achar que o espaço pudesse estar sendo “sub-utilizado”. Ao contrário, senti toda a potência daquele lugar e das minhas memórias do que um dia eu havia sentido e vivido ali. Pude perceber como outras edições recentes da Bienal haviam entulhado o espaço e também me lembrei de alguns trabalhos que ali estavam na 27 ª Bienal. Ao invés de silêncio, eu ouvi muito barulho, vindo de meus pensamentos…

Talvez (mais um…), o pecado desta Bienal – que deveria ter sido dádiva – era exigir muita disposição de seus espectadores, muito conhecimento de causa, tempo muito longo para estar ali, muitas visitas, muita leitura, uma dedicação devotada. Porém, a vida contemporânea no mundo espetacularizado e capitalista que torna as Bienais agentes do mercado como as feiras de arte, não deixa tanto tempo livre para quem gostaria de estar mais livre para refletir sobre tudo isso.

Esta bienal vai ficar conhecida como a do Vazio, mas também como a do “não vi e não gostei”. Faltou quorum disposto a ver e pensar.

Anarkia Graffiti

“Grafite Conceitual”. Esse é o título irônico da ‘exposição’ de Anarkia, no Rio de Janeiro. Crítica, a grafiteira ocupa a Grande Galeria do Rio de Janeiro. Para localizar as ‘obras’, é só procurar no mapa das ruas da cidade.

É um contraponto bastante inteligente ao atentado à Choque Cultural (ao ato em si como àqueles que pensaram o ato). Barbarizar prá gerar discussão é uma tática imediatista e mídiática, portanto certamente eficaz. Mas trabalhar em surdina, no dia-a-dia e na perseverança provavelmente deixará lições mais construtivas – e duradouras.

Anarkia é uma das duas mulheres a integrarem a Bienal de Graffiti que acontece este ano em BH. Evento cuja proposta, aliás, acho bem esquisita…

O site da moça vale uma olhada 

Anarkia Graffiti

A Performance, o presente e o futuro do jornalismo cultural no Rio de Janeiro

E o evento aconteceu. E foi um luxo. Performance Presente Futuro, no Oi Futuro, trouxe trabalhos incríveis, mostra de vídeos interessantes e 3 palestras que deram muito que pensar. Sim, eu fiz a curadoria e tenho uma visão parcial da coisa. Mas o retorno que tive do público foi esse: um evento com um recorte e produção excelentes.

O ponto alto foi a palestra da artista Orlan, no Brasil a convite nosso. Casa cheia, noite disputada.

Mas, se por  um lado o público compareceu vibrante, por outro a mídia impressa, ainda cara aos divulgadores institucionais, parecia ignorar que mais uma vez algo interessante sobre arte contemporânea estaria acontecendo no fim de semana na cidade da televisão.

Se Orlan foi nosso destaque, para os meios de comunicação locais era só uma extravagância metida a arte. Elevada à condição de ‘corpo estranho’, Orlan ganhou pequeno destaque na revista dominical do principal jornal da cidade. Na coluna “Sei lá, mil coisas…” de 24/08/2008 o diário O Globo estampou uma foto da artista e três perguntas/respostas superficiais. Naquele espaço, que comenta lançamentos comerciais, chacotas e bizarrices da semana, Orlan surgiu ao lado do sósia de Roberto Carlos e de uma nota sobre implantes de cílios. Sei lá, mil coisas…

Na semana do evento lá estava Orlan de novo no mesmo jornal, não no caderno de cultura, cujo editor não dá muita bola para as bobagens da arte contemporânea, mas no guia de programação do fim de semana. Que bom. Mas também que triste: o evento, cujo foco era a performance ao vivo e suas relações com a tecnologia, saiu com o título errado, ficando apenas “Presente Futuro”. E algumas apresentações, como as de Chelpa Ferro e Maurício Ianês, foram divulgadas como ‘vídeos’. Foi como se tivessem suprimido a palavra ‘dança’ de um evento de dança.

O preconceito da mídia carioca impressa com a arte contemporânea faz corar público, profissionais e instituições por que se percebe como ignorância assumida e pensada daqueles que deveriam estimular o exercício intelectual na sociedade. Após um ciclo de decadência, o Rio de Janeiro tem conseguido retomar uma agenda cultural ainda frágil mas já diversa e cosmopolita. Entretanto, o conservadorismo dos que editam o conteúdo dos veículos de comunicação impressos prefere a mesmice daquilo que é comercial.

Porém, talvez eles tenham suas razões: enquanto a fútil celebrity da vez implanta silicone bem-comportado sem alardear conceitos, ajudando a vender artigos, a artista Orlan, cuja manipulação corporal traz questões éticas, estéticas e filosóficas parece muito difícil, merecendo ficar mesmo no plano da bizarrice. Ainda que muitos digam por aí que ela é um dos nomes mais interessantes da arte do século XX.

Sei lá, mil coisas…

O meio da arte no Brasil: um lugar nenhum em algum lugar

O MEIO DA ARTE NO BRASIL: UM LUGAR NENHUM EM ALGUM LUGAR
DANIELA LABRA 2008-01-16

O título deste texto refere-se a artigo escrito nos anos 1980 pelo crítico de arte e curador brasileiro Paulo Venâncio Filho, que apontava para a fragilidade do meio de arte no Brasil, chamando-o de “lugar nenhum” (1). Segundo o autor, o cenário da época não promovia realmente a dimensão cultural da produção artística posto que, calcado no incipiente mercado de arte inflado durante o “milagre econômico” da era militar (1964-1985), não se constituía “num efetivo instrumento de institucionalização do trabalho de arte”, uma vez que se investia apenas numa produção já institucionalizada. Nesse contexto, a produção contemporânea era neutralizada de seus aspectos polêmicos e transformada em “afetação cultural” (2), isto é, num produto decorativo pronto para o consumo de uma elite.

Leia a íntegra em ARTECAPITAL.NET

obs. Este texto é uma continuação (e aprofundamento) de artigo publicado na Revista Arte e Ensaios nº 12, Rio de Janeiro, UFRJ, 2006