Alex Topini: Feiras

FEIRAS*

Um dos grandes desafios para o artista jovem de hoje é construir uma relação confortável com o mercado e a mídia. Constatado o fato de que não é possível escapar da realidade mercantil e midiática que normatiza a cultura global, cabe ao indivíduo descobrir o seu melhor modo de lidar com tal situação. Enquanto uns desejam compactuar cegamente com as pragmáticas regras do meio artístico pós-fordista, outros assumem que esta convivência não deve ser assim tão dócil nem inquestionável.

Um olhar mais atento sobre o frenético trânsito de propostas artísticas e artistas contemporâneos mundo afora, faz notar que a relação do sistema da arte com a esfera econômica e midiática é indissociável, e responde, por tanto, a todo um pensamento econômico liberal que se entranhou nas sociedades ocidentais e ocidentalizadas, especialmente após os anos 1970.

De modo geral, essa década marca o início de uma era de desnacionalização do capital, caracterizada pelo fluxo global de commodity e infinitas transações especulativas e de investimentos, apoiados em mídias tecnológicas, especialmente a partir dos anos 1990. Nesse quadro, que traz operações móveis e recombinantes em todos os níveis sócio-culturais, as artes se tornaram mercadoria, apesar de toda a poesia relutar em ser enquadrada como um produto.

Por sua vez, este cenário que trouxe desconforto a muitos artistas e teóricos, também incentivou a que na década de 1990 surgissem trabalhos de cunho crítico direcionados ao próprio sistema liberal da arte e a relação deste com as mídias. Os exemplos são vários, e incluem tanto as articulações irônicas e lucrativas de Damien Hirst, quanto os perversos projetos de Santiago Sierra.

A circulação mercantil da arte, em acordo com a ordem liberal, tem seu embrião na Holanda do século 17. Ali, surgem as figuras do colecionador burguês, o marchand e o artista como profissional autônomo que vendia suas obras em casa, feiras livres ou através de representantes. Ao longo de quatro séculos, o braço mercantilista do sistema da arte foi se incrementando, até tornar-se o alicerce importante que é hoje. Por outro lado, tal sistema se complexou, sendo atualmente formado por diversas engrenagens que incluem as escolas, museus, curadores, editoras, críticos, teóricos, museólogos, galeristas e, claro, as feiras.

As feiras de arte são um fenômeno da segunda metade do século XX, e sua dinâmica hiper-midiática é o reflexo do momento sócio-econômico contemporâneo. Com vistas a negócios de luxo em primeiro lugar, um olhar cético afirmará que estes eventos não tem nada a ver com iniciativas educativas ou de democratização do ensino (e mesmo da venda) da arte.

Desde que a primeira feira de arte surgiu no mundo – a Art Cologne, Alemanha, 1967 – uma espécie de “feirização” do meio foi se dando, apoiada no entendimento de que estes são acontecimentos midiáticos transnacionais que colaboram para a inserção de cidades no círculo cultural da economia globalizada. Nesse sentido, nota-se que a proliferação das feiras é um fenômeno tão vasto quanto o da multiplicação de Bienais Internacionais.

Embora sejam de naturezas distintas – uma Bienal é essencialmente institucional, enquanto que a outra é francamente comercial – a relação entre ambas é clara: a primeira referenda a distinção artística do artista, e a segunda traduz a aclamação da crítica em valor de mercado. Bienais e feiras são hoje as coqueluches do circuito da arte internacional, pois envolvem a maior quantidade possível de atores e fatores existentes em um determinado sistema de arte local, aquecendo o mercado como um todo.

Considerando o quadro apresentado até aqui, retornamos, pois, ao artista jovem hoje. Alex Topini, o autor de FEIRAS, é um dos integrantes do articulado Coletivo Filé de Peixe, e mantém em seu trabalho individual o mesmo interesse do grupo, que age criticamente sobre processos de recepção e circulação da arte enquanto mercadoria.

Este é o caso, portanto, desta série de fotografias-intervenções que explora várias questões situadas na compreensão da arte como mercadoria. Com suas imagens quase singelas, o artista discute a incidência e importância destes eventos midiáticos e comerciais enquanto espaços de legitimação artística, e também reflete sobre o limite tênue entre objeto artístico e produto, a relação do colecionismo privado com a cultura do consumo e descarte, a divisão de renda desigual crônica entre os homens. Sua obra executa cortes críticos na economia política da arte, mas permite estender o pensamento para além do terreno das artes e sua História.

Topini utiliza cartelas com nomes de grandes feiras internacionais, e as torna legendas de obras avistadas em feiras livres populares. Assim, sugere um paralelismo entre os papéis sociais desempenhados pelos dois tipos de evento, o de elite e o popular, lembrando que ambos provém da mesma antiga tradição de comércio varejista dos mercados urbanos. O gesto de legendar pinturas simples, algumas de gosto duvidoso e traço grosseiro, com nomenclaturas nobres, designa valor simbólico a certa produção, vasta e anônima, que se desenvolve no mundo todo, distante de galerias e especialistas em arte contemporânea.

Alex Topini tira proveito de seus momentos de inserção no circuito especializado da arte para objetar a relação, ora problemática ora paternal, dos artistas e suas obras com o capital e o meio que o impulsiona. Desse modo, vai traçando projetos que não se acabam no objeto artístico pronto, seguindo na direção de autores como Hirst, Sierra, Tania Bruguera, Hans Haacke e muitos outros que alcançaram reconhecimento e inserção com obras que criticam o próprio sistema que os acolhe e legitima, numa prolífica refutação amorosa.

Diante de práticas como as de Topini, que parecem pagar com ingratidão o meio que as promove, pode-se indagar por que o mercado simplesmente não bane tais artistas com suas obras insolentes. A resposta vem fácil. É por que a arte, em especial a contemporânea, coloca-se como espaço crítico e se constrói sobre a crise, seja do ser, das sociedades, da cultura, fazendo com que o conteúdo vire forma, e o pensamento virtude estética.

Daniela Labra

*texto escrito para o catálogo do programa aprofundamento, do Parque Lage, orientado por Anna Bela Geiger, Fernando Cochiaralle e João Modé

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