Ricardo Basbaum/ nbp-etc: escolher linhas de repetição

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A Casa de Cultura Laura Alvim recebe, sob a curadoria de Glória Ferreira, a individual de Ricardo Basbaum, um dos artistas contemporâneos brasileiros mais interessantes em atividade desde os anos 1980. Paulista, mudou-se adolescente para o Rio em 1977. Aqui começa a desenvolver sua obra experimental e multimídia fundamentada em discurso conceitual e crítico, em um percurso bastante independente do mercado de arte sem, contudo, estar a sua margem. Formado em biologia, estudou música e atua também como curador, teórico, educador, escritor, performer, etc. Sua prática interdisciplinar dialoga com artistas e etapas da história da arte no Brasil, como Lygia Clark, Hélio Oiticica e o Neoconcretismo, e se coloca como dispositivo que articula experiência sensorial, sociabilidade e linguagem. Embora seja um nome de destaque na cena artística internacional, sua pesquisa não está voltada para a lógica de produção e comercialização de objetos que, segundo ele, faz do artista um “funcionário do galerista”. Sua prática é comprometida mais com proposições participativas que envolvam o público do que com obras para serem consumidas.

A exposição reúne trabalhos novos ou inéditos no Rio de Janeiro, em um conjunto absolutamente coerente, resultante de processos de pesquisa iniciados no final dos anos 80. Na entrada o visitante se depara com um gradil e deve atravessar uma espécie de portal cujo formato é explorado há quase 20 anos no projeto NBP – Novas Bases para a Personalidade. Versos como: “canções de amor/exercício de memória/ forma específica” recebem o público e o conduzem ao salão que exibe diagramas rizomáticos cuja forma lembra corpos amebóides ocupados por muita vida e informação.

Aparentemente a mostra é hermética, mas o visitante deve relaxar e se dar um tempo para analisar cada diagrama que reúne dados e expressões estruturantes do pensamento e prática de Basbaum: “bioconceitualismo”, “conceitualismo sensorial”, “geleia adversa”, “culto ao hábito bólide” são algumas idéias estampadas nas paredes junto a dados históricos, fonemas, símbolos gráficos. No jardim de inverno com vista para a praia, esculturas-sofás são instaladas com fones que emitem a versão sonora de um outro diagrama onde, entre outras coisas, se lê o termo “suprasensorialsonemas” – o qual sugere uma definição para essa obra imersiva-musical.

A exposição tem uma seleção de vídeos que registram mais de uma década de experiências do projeto-processo “eu-você: coreografias, jogos e exercícios”, onde pessoas com uniformes, divididas nos grupos EU e VOCÊ, realizam ações coletivas coordenadas pelo artista. Alguns vídeos são divertidos, como o registro de uma ação feita em um programa de TV em 2003 no Rio Grande do Sul, e outra realizada em Shangai. Ainda que a experiência na galeria seja tranquila e silenciosa, na noite de abertura os cantores Lucila Tragtenberg e Licio Bruno realizaram experimentos de livre vocalização de textos, transmutando em ato e som a dinâmica de pensamento e trabalho do artista.

Para Ricardo Basbaum a obra de arte está enfraquecida do seu potencial transformador. Por isso sua prática incita a reflexão, a ação e a experiência estética como coisa mental e sensorial ao mesmo tempo, em propostas de difícil definição formal. Esta mostra é parada obrigatória para os que se interessam por pesquisas artísticas não-objetuais e todo o seu universo estético, histórico e intelectual. A obra-pensamento de Basbaum possui uma complexidade que não cabe neste espaço de jornal pois ela é êxtase e exercício artístico não-linear sem obviedades. Quem for à exposição (vi)verá.

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Fotos: Mario Grisollis

*Publicado em O Globo, Segundo Caderno, Outubro de 2014.

Links para apreciar Ricardo Basbaum:
http://bienal.org.br/post.php?i=551
http://www.scielo.br/img/revistas/ars/v6n11/08img02.jpg
http://www.nbp.pro.br/

Artista como Bandeirante, de Maria Thereza Alves

Vídeo de Maria Thereza Alves, artista paulista residente na Europa, criado para a exposição “Feito por Brasileiros”:

“O vídeo, Artista como Bandeirante, é uma resposta ao ensaio de Alexandre Allard, Novos Bandeirantes, publicado no catálogo na ocasião da exposição Feito por Brasileiros no Hospital Matarazzo en São Paulo, em que participo com o trabalho, “Eu e os Matarazzos” ”.
Maria Thereza Alves

Crítica da exposição Made By Brazilians no Complexo Matarazzo, SP

Intervenção de Arthur Lescher. Foto: Ding Musa
Intervenção de Arthur Lescher. Foto: Ding Musa

A arte moderna e a publicidade iniciam na segunda metade do Século 19 percursos paralelos, com artistas como Tolouse-Lautrec criando revolucionárias peças gráficas em cartazes publicitários. A partir dos anos 1950, artistas de vanguarda se apropriam de imagens, ângulos e slogans de propagandas para falar do mundo à sua volta e criticar a emergente sociedade de consumo. Bons exemplos são obras de Richard Hamilton, Rubens Gerchman, Richard Prince e Barbara Kruger. O tempo passou, e hoje a publicidade busca associar às invenções criativas ou frivolidades do mundo artístico contemporâneo, a qualidade e sofisticação de muitos produtos. Seguindo a lógica de produtividade desta época, o mecenato corporativo também vai, por sua vez, apostar no potencial da arte como estratégia para visibilizar empreendimentos, investindo em eventos culturais espetaculares onde a massa de pensamento estético e social que acompanha a arte contemporânea é anulada.

A exposição Made By… feito por brasileiros, no tombado complexo Hospitalar Matarazzo em São Paulo, espelha totalmente o quadro atual das relações entre arte, marketing e mecenato corporativo. Curada pelo francês residente no Rio Marc Pottier e pelo americano Simon Watson, a mostra foi encomendada pelo também francês Alexandre Allard, empresário que adquiriu o imóvel em 2011 junto com uma holding brasileira. Os planos são, assim que aprovadas alterações na lei de tombamento do conjunto arquitetônico de 1904, reformar tudo e instalar um centro de lazer com hotel de luxo, boutiques, gastronomia e espaço cultural. Este ano, aproveitando a época da Bienal de São Paulo, os proprietários decidiram realizar este megaevento cultural que custou quase R$ 13 milhões, sendo R$ 3,5 milhões captados através da Lei de Incentivo à Cultura.

Espetacular, Made By… alcançou um previsível sucesso de público, desagradou a crítica e mobilizou parte da comunidade de artistas paulistanos contra o empreendimento de luxo no hospital histórico que funcionou até 1993. A mostra, produzida em apenas quatro meses, reúne um conjunto inconsistente de obras boas e tantas outras banais, sem uma proposta curatorial clara. A seleção de artistas é internacional e seu título, que denota nacionalismo, se refere ao livro a ser editado por Pottier para uma série de publicações sobre a arte atual dos países do BRICS. Das mais de cem instalações artísticas espalhadas no complexo, muitas são inéditas e várias só foram adaptadas ao cenário. Há intervenções de som, luz, pintura, fumaça, vídeo, esculturas, lambe-lambes, grafite, murais indígenas estilizados, apresentações de capoeira e dança. Alguns artistas contemporâneos dialogam muito bem com a memória do lugar, como é o caso de Héctor Zamora, Frank Scurti, Daniel Senise, Jean-Luc Favéro, Cinthia Marcelle, Vik Muniz e Arthur Lescher. Trabalhos bons mas fora de contexto também chamam a atenção, como é o caso dos vídeos de Nick Cave, Tony Oursler e um filme de Zé do Caixão, entre outros.

Embora o conjunto artístico seja uma miscelânea irregular e de pouco sentido, Made By… oferece obras interessantes, e o lúgubre hospital abandonado é uma locação fascinante que vale a visita. Ainda assim, a escancarada natureza marketeira espanta. Em inúmeras obras lêem-se marcas de patrocinadores logo após o nome do artista, criando confusão com o título do trabalho. Pelo percurso, o visitante é bombardeado com merchandising de galerias, indústria de cimento, champagne, vodka, hotel, cosméticos, sapatos, roupas, banco…

A presença ostensiva das empresas patrocinadoras dá a tônica geral da exposição e a subordina a luxuosos delírios corporativos. Tudo isso, porém, condiz com a filosofia do Grupo Allard, que declara em seu site, no melhor estilo Maria Antonieta que ofereceu brioches ao povo, crer “firmemente que o mundo nunca precisou ou desejou, tanto como agora, os momentos sem preço, únicos e extraordinários que são a marca verdadeira do luxo”. Será?

Publicado em Jornal O Globo, 22/09/2014

Crítica: 31a Bienal de São Paulo

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por Daniela Labra
Publicado em Jornal O Globo, 07/09/2014

Yael Bartana. Inferno, 2014
Yael Bartana. Inferno. Still de vídeo. 2014

A recém-inaugurada 31ª Bienal de São Paulo propõe um formato novo, de caráter eminentemente político, com muitos elementos para instigar e incomodar os visitantes. Tendo pela primeira vez uma equipe curatorial formada por estrangeiros, a mostra traz 81 projetos de mais de 100 artistas de 34 nacionalidades, em programa idealizado pela equipe do curador Charles Esche. A mostra fica em cartaz até o dia 7 de dezembro.

Ao entrarmos no Pavilhão da Bienal vemos algumas instalações resultantes de processos colaborativos entre coletivos de artistas e ativistas, e uma estrutura para receber atividades como debates, performances e shows artísticos e de movimentos socioculturais. No andar térreo, os trabalhos se colocam de modo esparso, e alguns se postam como pontos de leitura e pesquisa sobre ações ativistas e situações de convulsão social. Como aponta a curadoria, esta exposição não se funda em objetos, mas em pessoas que trabalham com outras, colaborativamente, e pode ser compreendida mais como um processo aberto a indagações, ações, reflexões críticas e políticas pela arte do que um panorama artístico internacional. Por sua vez, seu título acompanha essa premissa, sendo também um jogo aberto a possibilidades poéticas e reflexivas. Como (…) coisas que não existem, traz parênteses que podem ser preenchidos por muitos verbos: ver, falar, procurar, celebrar, e invoca a potência da arte e sua habilidade de influenciar a vida, o poder e credos.

A maioria dos projetos expostos, muitos realizados para a ocasião, aborda assuntos políticos, religiosos, sexuais, ecológicos, educativos, indicando que as tais “coisas que não existem” são situações da vida cotidiana palpitantes mas invisibilizadas por sistemas e culturas de exclusão e preconceito. Os curadores defendem uma Bienal sobre o estado de “virada” do mundo contemporâneo, onde é necessário se afastar dos estabelecidos parâmetros da modernidade, o que vem a ser um discussão bem europeia. Ancorada nessa ideia, a proposta curatorial minimiza os “critérios estéticos do modernismo” e parece também minimizar a modernidade brasileira, cuja história se afastou dos parâmetros estabelecidos pelo pensamento europeu assim que nasceu no espaço social.

Essa busca por outros critérios, menos estéticos, talvez justifique a boa quantidade de trabalhos políticos mas pouco interessantes do ponto de vista plástico-visual, e outros que são muito literais no seu ativismo e exageram na composição de instalações cenográficas. Além disso, há instalações estranhamente ruins, que na verdade funcionam apenas quando ativadas por performances, como é o caso de Espacio para Abortar, do coletivo boliviano Mujeres Creando.

Como em outras edições recentes, a 31ª Bienal tem atividades que ocorrem no interior do pavilhão e intervenções espalhadas no Parque do Ibirapuera. Não há artistas estelares, e os históricos são poucos, mas entre eles se destaca a poética sala do polonês Edward Krasinki (1925-2004), e os filmes do espanhol Val del Omar, filmados na ditadura franquista, nos anos 1950. Entre as obras recentes, chama a atenção a sala Dios Es Marica, organizada por Miguel Angel Lopez, com trabalhos queer dos anos 1970-80, de artistas ibero-americanos. Um dos trabalhos mais impactantes é “Inferno”, filme de ar épico da israelense Yael Bartana que critica as estratégias da indústria da fé na disputa por poder. Também é destaque a videoinstalação em multicanais do coletivo russo Chto Delat.

Os curadores replicam temáticas na moda nos países centrais, e conseguem se manter algo isentos das influências do mercado de arte que guia o movimento da internacionalização da arte brasileira nos últimos anos. Assim, há a integração de artistas desconhecidos no Sudeste, com visualidades em princípio pouco comerciais, como é o caso do paraense Éder Oliveira, que pintou um mural no Pavilhão com retratos de criminosos, tal como realiza nas ruas de Belém. A diversidade das nacionalidades da equipe deu um aspecto multicultural bastante apropriado, e permitiu com que obras políticas de distintos contextos sejam apresentadas.

Charles Esche é um nome conhecido na cena internacional atual e se destaca por desenvolver projetos que problematizam formatos engessados. Nesse sentido, sua Bienal questiona o modelo das bienais mais tradicionais em um mundo tomado pelo modelo excludente do capitalismo. Ainda assim, como qualquer ator influente no sistema da arte, não escapa da contradição de apontar as mazelas da sociedade contemporânea, consumista e elitista, enquanto recebe o patrocínio do banco privado mais lucrativo do país, cujo texto institucional na exposição afirma que é bom investir em cultura por que #issomudaomundo.

Link: http://oglobo.globo.com/cultura/artes-visuais/critica-bienal-de-arte-de-sao-pauloarte-da-reflexao-13856635

Daniel Escobar: A Nova Promessa

Exposição individual de Daniel Escobar na Galeria Zipper, de 3_9 a 5_10_2014, São Paulo.

De-Zipper-Fachada

A casa própria, o carro novo, a roupa cara, a obra de arte exclusiva. Quanto tempo leva para seu sonho material se tornar ruína? Em A Nova Promessa, Daniel Escobar aborda artimanhas ilusionistas da publicidade para apresentá-las como um dos motores do acelerado movimento de consumo e descarte que sustenta – e devora – o mundo atual. Esta individual comenta o lado patético da nossa condição humana resumida a consumidores na era pós-fordista, e traz no título também uma ironia ao próprio sistema da arte contemporânea, o qual tornou-se uma máquina provedora de objetos de alto apelo estético e baixa densidade discursiva, desejosa de jovens talentos.

A Nova Promessa remonta na fachada da Zipper a obra Anuncie Aqui, apresentada primeiramente no interior do Santander Cultural, em Porto Alegre, como um verdadeiro espaço de propaganda para aluguel. Desta vez, a operação comercial não ocorre e o outdoor surge como uma intervenção na arquitetura e no meio urbano. Porém, mesmo que desprovido de sua função primordial e legitimado como obra artística, essa peça se coloca como uma excessão no espaço público paulistano, onde está proibido por decreto instalar tal tipo de suporte. Exposta na rua, a placa se auto anuncia enquanto afirma a natureza da galeria e desvenda estratégias artísticas para re-inventar códigos éticos e criar mecanismos de privilégios pela arte.

Daniel Escobar equilibra visualidade pop com conceitos elaborados. Realizando trabalhos bem acabados e esteticamente agradáveis, ele seduz o espectador pela forma para logo inserí-lo no universo crítico do seu discurso, situado muito além da simples aparência.

Daniela Labra

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The New Promise

Home ownership, the brand new car, expensive clothes, a unique work of art – how long does your material dream last before it becomes ruins? In The New Promise, Daniel Escobar discusses the illusionistic tricks of advertising, presenting them as one of the drivers of the fast paced consumption and disposal trend, which sustains – and devours – the current world. This individual exhibit comments on the pathetic side of our human condition reduced to consumers in the post-Fordism era, and its title carries an irony to the very system of contemporary art, which has become a mass provider of objects of high plastic appeal and low discursive density, craving young talents.

The New Promise reassembles on the exterior facade of Zipper Gallery the work Advertise Here, which was first presented inside Santander Cultural in Porto Alegre, as actual rental ad space. This time around the commercial transaction is not completed, and the billboard emerges as an intervention in the architecture and in the urban environment. However, despite being devoid of its primary function and being legitimized as artistic work, it stands as an exception in the public space of the city of São Paulo, where public outdoor ads have long been banned by law. Exposed in the street, the sign advertises itself while asserting the nature of the Gallery, and unravels artistic strategies to re-invent ethical codes and to create privilege mechanisms through art.

Daniel Escobar balances pop visuality with elaborate concepts. Creating well finished and aesthetically pleasing works of art, the artist allures viewers through form, to soon after insert them in the critical universe of his speech, located far beyond simple appearance.

Daniela Labra

Centro Municipal de Artes Hélio Oiticica: Sob Nova Direção

Intervenção recuperada de Richard Serra no Hall do CMAHO.
Intervenção recuperada de Richard Serra no Hall do CMAHO. Foto: Gê Vasconcelos

Instalado nas imediações da Praça Tiradentes, Rio de Janeiro, no prédio do século 19 que abrigou o Conservatório de Música e o Conservatório Dramático Brasileiro, o Centro Municipal de Artes Hélio Oiticica há muito não fazia jus ao artista que lhe dá o nome. Inaugurado em 1996, por iniciativa da Prefeitura do Rio e em parceria com o Projeto Hélio Oiticica, responsável pelo espólio do artista, o centro teve até 2002 programação exepcional. Livros foram editados e houve exposições de nomes como Sean Scully, Richard Serra, Amílcar de Castro e Iole de Freitas. Porém, como é comum ocorrer, os projetos da instituição não tiveram continuidade, e ela foi se desmontando. Mudaram os gestores, a diretriz curatorial se perdeu, a livraria e o café fecharam. Em 2009, o convênio com o Projeto Hélio Oiticica encerrou-se, e o acervo de obras que ali ficava foi removido, dando início a uma inacreditável fase de decadência.

Tal como outros equipamentos culturais cariocas – e brasileiros, o CMAHO viveu anos de precariedade, sobrevivendo com exíguas verbas. Destituída de identidade, a instituição perdeu relevância, apresentando exposições ora boas ora medíocres, que ocupavam as galerias como barrigas de aluguel. O declínio impactou tanto o perfil institucional como a estrutura física do local, o que levou à interdição do segundo andar e seu lindo salão.

Contudo, em fevereiro de 2014 a pesquisadora formada em artes visuais pela UFRJ, Izabela Pucu, com experiência na coordenação do Parque Lage, assumiu a direção com um plano de gestão para estabelecer uma nova identidade à institução, profissionalizar sua atuação e valorizar seu patrimônio histórico. Assim, com o apoio da secretaria municipal de cultura, ações de recuperação estrutural e administrativa do CMAHO estão sendo implementadas, e já se observam mudanças: no térreo há uma pequena biblioteca, um café-bistrô, uma sala de estudos e uma intervenção na parede de Richard Serra, de 1997, restaurada após ter sido apagada durante reformas no prédio. No primeiro andar um depósito de entulho virou uma sala de aula equipada e uma segunda obra de Serra, antes escondida sob um teto de gesso, foi revelada.

Em agosto o CMAHO reinaugurou com o projeto Tiradentes Cultural que, em parceria com diversos equipamentos culturais vizinhos, oferecerá no primeiro sábado do mês um circuito de atividades pelo entorno. Atualmente o centro mostra quatro boas exposições do Foto Rio 2014, com obras de Bárbara Wagner, Rogério Reis, Maria Oliveira, Wim De Schamphelaere e Peter lucas/Arquivo Orizon Carneiro Muniz. Para a atual diretora o único modo de mudar o CMAHO era fazer a revolução. Ela já está acontecendo e em nome de Oiticica a cidade agradece.

*Texto publicado em O Globo, 25/08/2014

 

Arte, mercado e estratégias cínicas

Arte, mercado e estratégias cínicas*
*publicado em O Globo, 14/07/2014.

Banksy sells original work for just $60 in Central Park – video
Intervenção de Banky em Nova York: Banca de rua com venda de originais.

Há pouco inaugurei, como curadora, uma mostra do artista gaúcho Daniel Escobar. Seu projeto estudou jogadas de marketing de lançamentos imobiliários para discutir a manipulação dos desejos pela publicidade. Dentre as peças expostas, um outdoor em escala natural (9m x 3m) foi colocado como espaço de aluguel para anúncios comuns, mediante a assinatura de um contrato e pagamento da locação ao artista. A placa está instalada no mezanino da instituição realizadora, o Santander Cultural de Porto Alegre, que também recebe uma popular mostra de Vik Muniz curada por Ligia Canongia.

A exposição de Daniel me fez pensar em outros projetos artísticos que transbordam o circuito da arte para funcionarem como operações reais de negócios. Tais práticas, surgem como crítica a padrões de legitimação e circulação da arte nos anos 1960. Entre 1961-62 Claes Oldenburg realizou a série The Store (A Loja), onde questionava a arte como coisa preciosa confinada em museus. Após exibir em uma galeria de Nova York trabalhos inspirados em produtos de delicatessens e lojas de roupas, ele abriu uma loja de rua e abarrotou-a com mais de cem objetos para a venda, de bibelôs baratos a obras de arte suas. Depois de meses, Oldenburg fechou o estabelecimento e fez ali o Ray Gun Theater, um espaço para performances, que então simbolizavam experimentalismo e resistência ao mercado.

Continua…

Arte x Gênero x Política x Moral religiosa

… Na arte, preceitos religiosos introjetados na sociedade como dogmas muitas vezes são questionados por artistas que acreditam que, em pleno século XXI é mais saudável defender a tolerância e as liberdades individuais do que submeter-se a regras morais impostas por religiões. Na atualidade a religião volta a incitar guerras, ódios, perseguição às minorias étnicas e repressão às mulheres – tal como na Idade Média. Artistas interessados em discutir questões de gênero são os que mais apontam para os problemas da ditadura moral das religiões, mas não só. A seguir, algumas imagens de obras que fazem refletir sobre o tema.

Leon Ferrari. La civilización occidental y cristiana, 1965.
Leon Ferrari. La civilización occidental y cristiana, 1965.
Leon Ferrari. La civilización occidental y cristiana, 1965.
Leon Ferrari. La civilización occidental y cristiana, 1965.

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Mary Beth Edelson. Last Supper. 1972

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Edwina Sandys. Christa, 1975

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Shirin Neshat. Rebellious Silence, 1994

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Marcia X. Desenhando com terços. Performance e Instalação, Anos 1990.

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Andres Serrano. Piss Christ, 1987

Orlan. Santa Orlan. Déc. de 1990.
Orlan. Santa Orlan. Déc. de 1990.
Orlan. Santa Orlan. Déc. de 1990.
Orlan. Santa Orlan. Déc. de 1990.

Arte Brasileira de Quem?

Arte Brasileira de Quem?*

Na Copa as ruas ficam cheias de verde-e-amarelo e o brasileiro orgulha-se de sua nacionalidade. Futebol, dizem, é coisa nossa e o estilo do Brasil é ainda distinto. Em artigo recente neste caderno, Arthur Dapieve citava a importância que geralmente é dada no meio cultural à nacionalidade de uma obra ou autor, para então comentar como no esporte é nostálgica a noção de um estilo nacional de jogar. Uma vez que nos anos 1980 a globalização internacionalizou o mercado de trabalho e os times, os estilos foram se homogeneizando, e hoje insistir em um futebol à brasileira não faria mais sentido posto que pode-se, por exemplo, encontrar características sul-americanas em jogadores europeus e vice-versa.

Nas artes, a questão de uma identidade nacional pode trazer discussões parecidas. Em um sistema cultural globalizado que assiste à mistura e homogeneização de estéticas desde o final dos anos 1980, apontar características exclusivas da arte brasileira é no mínimo complicado. (Continua…)

Jonathas de Andrade. "40 Nego Bom é 1 real". 2013.
Jonathas de Andrade. “40 Nego Bom é 1 real”. 2013.

* Originalmente pulbicado em O Globo, Segundo Caderno, 30/06/2014.

Fotografo, Logo Vivencio

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Ao chegar na exposição do escultor australiano Ron Mueck no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, o visitante se surpreende com a apurada técnica do artista e com a multidão acotovelada para ver e fotografar os seus prodígios hiper-realistas. No grande salão, pessoas que até há pouco não sabiam quem era Mueck e muito menos o que acontecia no Museu, empunham câmeras e celulares para captar, vorazes, imagens dos trabalhos e selfies atropelando quem tenta apenas apreciar as obras.

Se o enorme público estreante no MAM é um fato novo e positivo, pessoas fotografando a si ou a conhecidos diante de trabalhos de arte já não são novidade. Dentro ou fora do espaço expositivo é fácil comprovar que câmeras digitais e smartphones não só popularizaram o ato fotográfico como fazem-no parecer um gesto necessário para desfrutar a vida. No caso de exposições, onde encontra-se lazer associado a reflexão e conhecimento por meio do contato sensível, intelectual e até físico do espectador com a obra, tento imaginar o que os visitantes desejam capturar com suas lentes e como essa mediação digital transforma a experiência estética in loco. Entendo que a natureza de muitas mostras tem apelo publicitário e espetacular, estimulando a incontinência fotográfica, mas observo que o excesso de registros substitui o processo, hoje difícil, de postar-se atentamente diante de um objeto artístico para apreendê-lo na sua forma e conteúdo. Afinal, uma obra de arte não se esgota na visão rápida. (Continua…)

*texto publicado em O Globo, em 5/05/2014