Álbum de Família no CAHO, Rio de Janeiro

CoburnPlaceSetting
Daniel Coburn. “Setting Place”, 2014.

O Centro de Artes Hélio Oiticica apresenta a coletiva “Álbum de Família” sob curadoria de Daniella Géo, carioca radicada na Bélgica com atuação também no Brasil. Sendo mestre e doutora em Estudos Cinematográficos e Audiovisuais na França, sua expertise em fotografia e moving images marca esta exposição com mais de 20 artistas, brasileiros e estrangeiros, que trata da Família: instituição combalida que vem se transformando de acordo com todas as rupturas, contradições, injustiças e invenções que configuram o fragmentado e hiper-plural panorama pós-moderno.

Optando por uma abordagem abrangente e evitando clichês, a curadoria se distanciou tanto de discursos anacrônicos em defesa da idealizada “Família Tradicional”, como de bandeiras acerca de um suposto núcleo familiar politicamente correto. Em geral os trabalhos contam traumas, acontecimentos e decisões que marcaram vidas de sujeitos comuns, no mundo como nós, a quem não devemos cobrar explicações morais. Assim, não só de família fala a exposição, mas de memórias afetivas, ausências, paixões, abusos, fragmentações, distância e cumplicidade, entre outros assuntos tão complexos como delicados que formam os enredos de todas as existências e vínculos afetivos humanos.

“Álbum de Família” traz obras conhecidas internacionalmente como a videoinstalação em seis canais “Mother” (2005), de Candice Breitz, onde trechos de filmes hollywoodianos são apropriados para montar uma narrativa questionadora de estereótipos sobre maternidade e universo feminino. Outro destaque é o clássico video “The Passing” (1991), de Bill Viola, mestre da videoarte contemporânea que homenageou neste tocante trabalho sobre sua mãe no leito de morte.

A exposição reflete, sem julgar nem dramatizar, situações de famílias disfuncionais ou incompletas, que marcaram indivíduos por eventos corriqueiros e difíceis como abusos sexuais e violência doméstica, como exposto em obras como “Trauma”, de Gillian Wearing, onde se assistem, numa pequena cabine, relatos filmados de mulheres mascaradas, abusadas na infância por parentes. Já “Ray” (2015), filme do britânico Richard Billingham em sua primeira exibição fora do Reino Unido, revisita com atores o cotidiano de seu pai alcoólatra e mãe violenta. Em um procedimento próximo, o norte-americano Daniel W. Coburn apresenta fotografias encenadas com membros de sua família para rememorar a tenra juventude entre laços e afetos desequilibrados, longe do American Dream.

Dos brasileiros há veteranos como Anna Bella Geiger, com três obras entre 1974 e 2014 que indagam sobre diáspora, família, cultura e identidade, e mais jovens como o paulista Fabio Morais, cuja obra dialoga com a forma literária para inventar memórias, e Jonathas de Andrade com seus temas ligados ao povo do nordeste, sua história de lutas e tradições. Ao todos são nove brasileiros incluindo Rosangela Rennó, Ricardo Basbaum e Adriana Varejão, esta com “Em segredo” (2003), uma grande peça pintada em tela e resina que soa algo literal e destoa dos suportes “frios” da maioria dos trabalhos de aspecto tecnológico, mas que no entanto contribui bem ao tocar no tabu do aborto que envolve famílias, corpos femininos em risco, escolhas, perdas e amor.

A atmosfera da exposição é densa, e nesse “outro “álbum de família” proposto pela curadora o tema antigo é abordado com diversidade, indo do foro íntimo ao social, para indicar que talvez a maior certeza que paire sobre a instituição Família hoje é seu processo incontornável de reinvenção como possibilidade de convivência amorosa e construção de laços afetivos.

*Publicaod em Jornal O Globo, Segundo Caderno, 17/08/2015.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *