Novo olhar sobre a arte

Matéria de Suzana Velasco originalmente publicada no Segundo Caderno do O Globo em 13 de maio de 2010

Conheça três jovens cariocas que reforçam a curadoria de exposições no país

Se os jovens artistas indicam os novos rumos da arte no país, cresce com eles uma geração de curadores que refletem sobre esses caminhos. Eles são novos pela idade, mas também por imprimir um olhar fresco à curadoria de exposições, que são organizadas em espaços antes impensados, como galerias comerciais.

Entre 30 e poucos e 30 e muitos anos, os cariocas Felipe Scovino, Daniela Labra e Marcelo Campos são três desses curadores cariocas que se dividem entre a crítica e a produção, entre as aulas e os editais de exposições — e, nesse vaivém, têm renovado a curadoria no país.

Com um pós-doutorado aos 31 anos, Felipe Scovino é um dos mais proeminentes curadores em atividade.

Ele começou a partir de um ícone da arte brasileira do século XX, Lygia Clark, a quem dedicou sua dissertação de mestrado, depois trabalhando na fundação que cuida de suas obras. Ali, enquanto fazia seu doutorado, ele aprendeu toda a parte prática de montagem e produção de exposições que a universidade não podia lhe dar.

— Na América Latina, geralmente o curador é também crítico de arte, quase sempre ligado a um trabalho acadêmico. É praticamente impossível sobreviver só como curador.

E, por estar dentro da academia, você quer transformar a pesquisa guardada na gaveta em algo material — diz Scovino, que dá aula de teoria da arte na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Foi a pesquisa acadêmica que originou a primeira curadoria de Scovino numa instituição. Com um doutorado sobre a arte brasileira nos anos 60 e 70, ele relacionou essa produção à das décadas de 90 e 2000, no livro “Arte contemporânea”, feito com uma bolsa da Funarte, e numa exposição no Museu de Arte Contemporânea de Niterói, em 2009. Depois de cuidar da curadoria de uma exposição de Décio Vieira, em cartaz até o próximo dia 23 no Centro Universitário Maria Antonia, em São Paulo, Scovino prepara a mostra “Entre desejos e utopias”, que será inaugurada sábado, na galeria A Gentil Carioca, no Centro do Rio. Mais uma vez, ele unirá diferentes gerações de artistas — estão juntos, por exemplo, Cildo Meireles, Antonio Dias, Renata Lucas e Thiago Rocha Pitta —, desta vez por meio de esboços, desenhos e maquetes de seus projetos não realizados: — Tento não fazer projetos cronológicos, ponho em questão a palavra geração. Isso me levou a buscar artistas mais jovens que fazem obras com a qualidade de um Cildo ou Antonio Dias, que criam trabalhos atemporais e transnacionais.

Da brasilidade à performance

No sentido inverso, Marcelo Campos, de 37 anos, busca a brasilidade na arte contemporânea brasileira, característica geralmente identificada com o modernismo. Mas, como Scovino, foi também a pesquisa acadêmica que desaguou na curadoria.

Seu primeiro trabalho de curador, no Castelinho do Flamengo, em 2004, partiu de um capítulo de sua tese de doutorado. “Memórias heterogêneas” reuniu o mineiro Farnese de Andrade, o pernambucano Renato Bezerra de Mello, o cearense Efrain Almeida e o paraibano José Rufino — artistas que, segundo ele, carregam a marca da brasilidade, ainda que sem estereótipos.

— Eles lidam com sua própria memória e, ao assumir a primeira pessoa, acabam trazendo um pouco do imaginário brasileiro. É bem diferente da arte moderna, que queria nos dizer algo sobre o Brasil — diz ele. — A formação de muitos teóricos da arte é filosófica. Eu busquei um olhar mais antropológico.
Hoje, Campos contamina a pesquisa acadêmica com a curadoria. Na Uerj, ele dá aulas de Laboratório de História e Crítica e prepara, com os alunos, a mostra “Sobre ilhas e pontes”, que a galeria da instituição abre no dia 6 de julho. Campos também contamina a curadoria com a pesquisa acadêmica. Para chegar a “Sertão contemporâneo” — que rodou as filiais da Caixa Cultural no país, incluindo o Rio, em 2008 —, sugeriu que artistas visitassem regiões sertanejas, trazendo na volta diários de viagem.

Já Daniela Labra, diferentemente de Scovino e Campos, mergulhou primeiro na curadoria para depois se voltar mais profundamente à pesquisa acadêmica. Após se formar em teoria do teatro, em 1998, ela fez a típica viagem mochileira pela Europa, que culminou com um ano de pósgraduação em Madri. Antes disso, sua ligação mais direta com as artes visuais havia sido como secretária do artista plástico Daniel Senise.

— Na Europa, descobri esse ofício de curadora, que fica entre o prático e a teórico. Não me interessava ficar só no meio acadêmico, mas também não queria ligar para kombis ou fazer lista de salgadinhos — conta.

De volta ao Rio, em 2000, Daniela fez muitas listas de salgadinhos como produtora de festivais de cinema e teatro. Só no ano seguinte, quando foi morar em São Paulo, trabalhando em galerias e participando de grupos de estudos, ela se aproximou da atividade que deslancharia de vez em 2004, com sua primeira curadoria institucional, no Centro Maria Antonia. Intitulada “O artista-personagem”, a mostra indicava o que seria um de seus caminhos centrais, ainda que não exclusivo: a performance. Ela agora prepara, para novembro, a terceira edição do festival Performance Presente Futuro, no Oi Futuro.

— Meu maior interesse é a dimensão política da arte, e a performance exerce um impacto estético sobre o mundo — diz ela, que este ano começou um doutorado em História da Arte e critica os cursos para curadores que se espalham pelo país. — Curadoria não implica apenas organizar algo, mas estabelecer relações. O termo está superbanalizado.

Criadora da mostra de performance “Verbo”, na Galeria Vermelho, em São Paulo, Daniela mostra, como Scovino — que faz seu terceiro trabalho na Gentil Carioca —, que hoje o curador carioca tem que ir além da instituição para conseguir emplacar seus projetos. Além de se apoiar na ousadia de certas galerias, Scovino também tem passado mais tempo em São Paulo do que por aqui.

— No Rio, houve uma emergência de várias galerias nos últimos dez anos, mas o trabalho institucional está à deriva. A diferença em relação a São Paulo é brutal — diz ele.

“Felipe Scovino, 31 (em frente a foto de Luiza Baldan) Principais exposições: “Arquivo contemporâneo” (MAC de Niterói), “Décio Vieira: investigações geométricas” (Centro Universitário Maria Antonia, SP), atualmente em cartaz Tento não fazer projetos cronológicos, ponho em questão a palavra ‘geração’ “

“Marcelo Campos, 37 (em frente a obra de José Rufino) Principais exposições: “Sertão contemporâneo” (filiais da Caixa Cultural pelo Brasil), “Faustus”, de José Rufino (Palácio da Aclamação, Salvador) A formação de muitos teóricos da arte é filosófica.
“ Eu busquei um olhar mais antropológico”

“Daniela Labra, 35 (em frente a tela de Eduardo Berliner) Principais exposições: “Performance presente futuro” (Oi Futuro do Rio), “Verbo” (Galeria Vermelho, SP) Meu maior interesse é a dimensão política da arte, e a performance exerce impacto estético sobre o mundo”“

One thought on “Novo olhar sobre a arte”

  1. PARABÉNS AO AMIGOS!
    Sobre o uso da expressão “atemporais”. E pensar que essa “apropriação” terminológica certa vez foi proferida em workshop pelo artista protagonista desta mensagem em curso de curadoria e crítica de arte ministrado pelos Doutos no MAC! Doutos saudações ATEMPORAIS!!! KKK PS: NACIONAL NO WAY … YES GLOBALIZATION… MAIS FÁCIL O TRANSNATION? VALEU T+Daniela e Scovino grande abraço, QUANDO ROLAR NOVO CURSO SÓ PASSAR UM E-MAIL. PERMESSO!! COLOCAR O ARTSQUEMA NO MEU BLOG? YES!

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *